A missa do Bombarda: fraudulento à nascença

A proeza lírica que o presidente do IST, professor e autor de ficção científica Rogério Colaço, exibiu no seu último comunicado à ralé despoletou em mim uma salganhada de emoções que nunca pensei sentir. Entre borboletas no estômago e lágrimas de crocodilo, a apatia e a letargia sumiram-se do meu corpo para dar lugar à raiva e à fúria. Tudo isto para manter as aparências, porque fraudulento já eu sou há muito tempo.

Esta amostra de jornal entrevistou há dias o big boss da Alameda. Para surpresa das dez pessoas que lêem esta porcaria regularmente, a única questão premente foi completamente ignorada por este bando de incultos que parecem nunca ter visto o «Alta Definição», o único programa de jeito que passa em canal aberto para além do «Preço Certo». Vim cá para saber o que dizem os olhos do prof. Rogério e voltei apenas para reclamar, mais ou menos o que vocês foram fazer à AGA.

Há dias que não saio do principado do meu sofá e que o sebo e a caspa tomaram conta do meu cabelo. Podia tomar banho ou livrar-me da pseudo-barba que cresce pelo meu pescoço, sim. Mas inflamar a discussão que se formou nas redes sociais em torno da infame carta aberta que por aí circulou, pensar na forma mais eficaz de justificar por lá as cábulas que fiz e que faço, a minha pertença aos grupos WhatsApp e Discord para realização de exames em grupo e, pontualmente, estudar algo de concreto enquanto espero em queue para o próximo jogo ranked de League of Legends parecem-me usos bastante mais produtivos das poucas horas do dia que passo acordado. Afinal, alguém tem de saber resolver o exame, caso contrário não há fraude que nos salve.

Não me importam as acusações de fraude: admito, com orgulho, que sou fraudulento. Aliás, posso dizer que estou absolutamente sereno e tranquilo com as acusações do sr. presidente. Os meus métodos sofisticadíssimos são apenas o resultado de muitos anos a virar frangos na ciência da cábula; desde os meus tempos no pré-escolar que sou assim, e posso agradecê-lo apenas aos efeitos da seleção natural. A quantidade de tempo que passo pedrado tirou-me a memória de longo prazo há muito, mas lembro-me perfeitamente dos métodos rigorosos de cábula que usava no ensino básico.

Não era por acaso que eu parecia passar o verão, o outono, o inverno e a primavera constipado; era isto que me permitia ter na secretária um pacotinho de lenços sempre à mão sem levantar grandes suspeitas enquanto fazia o meu teste. Ora, é claro que eu tratava previamente de comprimir a matéria para avaliação apenas o suficiente para caber nuns cinco lenços de papel. Cada vez que não sabia responder a alguma pergunta, lá puxava o espirro – atchim! E lá dava eu uma vista de olhos na matéria comprimida em letra absolutamente minúscula. Simples e eficaz.

Isto por vezes não era suficiente. Tretas como história, geografia ou biologia eram pesadelos para mim: ou os lenços não chegavam para despejar a matéria toda, ou eu entendia que as minhas constipações constantes já começavam a levantar demasiadas suspeitas entre os dinossauros da escola. Tinha de me reinventar para poder continuar a minha escalada nos rankings do League of Legends sem interrupções para estudar.

Decidi, então, subir a parada. Muitos dos meus professores permitiam que os alunos tivessem consigo uma garrafa de água durante os testes, e claro que em momentos tão exigentes como este os alunos ficavam mais desidratados que em qualquer aula de Educação Física. Ora, as garrafas de água tipicamente contém uma série de informações completamente inúteis que ninguém lê, como a sua composição química, quem engarrafou a água, as condições de conservação adequadas, etc. Eu, um photoshopper com experiência dos memezinhos ultra-fritos que criava e partilhava no 9GAG, alterava toda esta informação para algo de relevante para o meu teste, e mudava o rótulo da garrafinha. Voilà.

Eventualmente, fartei-me destes métodos porque davam demasiado trabalho, e lembrei-me que só no secundário é que tinha de começar a estudar. De alguma forma, lá vim parar ao IST, e até que me vou safando por aqui. A única coisa que mudou com os exames online é já não ter de estimular a minha criatividade para prosseguir com as minhas fraudes. Isto é ainda mais injusto: copiar, assim como cabular, são talentos. Não é para todos, é para quem sabe. Eu, que desde pequenino que torço o pepino, sinto que os meus talentos já não me servem de nada neste instituto. Assim, remeto-me ao League of Legends, como sempre, para sempre.

Manel Bombarda

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