Autoria: Sophia Gamonal (FPUL)
No passado dia 29 de fevereiro foi organizada uma manifestação na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) organizada pelo Grupo de Estudantes Pavão Reivindicativo. O Diferencial conversou com alguns dos seus membros para conhecer a sua origem e as suas motivações.
Eram 12h30 e os estudantes começaram a aglomerar-se em frente à Biblioteca da FCUL, onde estavam um esqueleto sentado numa cadeira, simbolizando a longa espera de soluções por parte da Direção da Faculdade, e uma faixa onde se podia ler: “Estamos fartos de esperar por uma Cantina Pública em Ciências” em letras garrafais, a preto e verde.
Com palavras de ordem como “A luta continua!”, “A cantina é um direito! Sem ela nada feito!”, “Eu tenho fome, quero comer! Eu tenho fome, quero comer. Mas a cantina não existe, com fome eu estou, com fome eu fico!”, gritadas após cada intervenção dos presentes, a ação de luta atraiu a atenção daqueles que passavam, inclusive dos professores e funcionários.
Para os presentes, foi notória, porém, a ausência de membros da Direção da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências de Lisboa (AEFCL), que, no seu Programa Eleitoral, também afirmava defender uma cantina pública para a Faculdade [1].
Na Reunião Geral de Alunos Extraordinária do dia 17 de Outubro de 2023 foi assinada uma Tomada de Posição pela AEFCL que, acerca deste tema, incluía:
- a reivindicação de uma cantina pública com preço social na FCUL;
- a rejeição categórica de que, no caso da existência de uma cantina em concessão privada, o preço da refeição seja acima dos 3,5€;
- a exigência de que esta deverá ser completa e deverão existir pelo menos três opções a este preço, incluindo uma opção vegetariana;
- a promoção de um abaixo-assinado por parte da Direção da AEFCL acerca da posição discutida em RGA, contra o aumento do preço da refeição social.
Em entrevista ao Diferencial, o estudante Conselheiro de Escola da Faculdade de Ciências, Guilherme Velez, contou que esta manifestação foi promovida pelo Grupo de Estudantes Pavão Reivindicativo [2], um grupo informal de estudantes surgido de uma das listas concorrentes na última campanha eleitoral para a AEFCL.
“Os membros deste grupo já estão aqui há vários anos, e uma coisa que se nota logo no primeiro ano de faculdade é a inexistência de uma cantina em Ciências. Temos pouco tempo para almoçar, e a Cantina Velha é pouco exequível, onde as filas são gigantes. Se estiver a chover ou um calor insuportável, custa termos que andar um quilómetro para ir e outro para voltar [3]. Já basta, temos de ter uma cantina aqui na FCUL. E tem que ser pública, pura e simplesmente, porque se for uma cantina privada, como se vê noutras faculdades, aumentam-se os preços de forma pouco transparente, já que não são órgãos públicos que as gerem, e são saltos bruscos de preço, o que faz com que os estudantes percam dois a três meses de poder de compra no fim de um ano letivo além de, muitas vezes, as refeições não serem nutritivas e equilibradas e não se poder repetir.”
Relembrou, também, que a FCUL tem mais de 5600 estudantes que têm de “competir” com os estudantes de todas as outras faculdades da Cidade Universitária, que também não têm uma cantina pública, e estão mais próximas da Cantina Velha.
O estudante do 3.º ano de Matemática Aplicada, Miguel Alvelos, disse que, sendo um estudante deslocado do Porto, as refeições são mais uma questão de organização, uma vez que sai cedo de casa e só volta à noite. Desta forma, a maneira que encontra para ter uma refeição equilibrada é ir à Cantina Velha, já que as cantinas privadas da FCUL não são acessíveis e, muitas vezes, só oferecem produtos de pastelaria.
Na sua intervenção, Lucas Sinkovec, outro estudante do 3.º ano de Matemática Aplicada e suplente do Conselho de Escola, relatou que os estudantes da FCUL, no seu primeiro ano da faculdade, não têm hora do almoço, e no segundo ano têm apenas meia-hora entre as aulas. Por isso, como muitos colegas, deixou de almoçar. Com o acumular dos meses, desenvolveu problemas de saúde e teve de passar a tomar medicação, até ser aconselhado pelo seu médico a faltar às aulas para poder almoçar.
“Nós somos a segunda maior faculdade da Universidade de Lisboa e não temos uma cantina aqui. A Cantina Velha foi construída nos anos 50, quando só havia a Faculdade de Letras e de Direito na Cidade Universitária, com metade dos alunos que existem agora. A Cantina Velha não está preparada para a quantidade de estudantes que há na Cidade Universitária, e Ciências já teve uma cantina pública no passado. Existe orçamento e recursos para voltar a haver, só falta é vontade por parte das entidades competentes.”
Rafael Tomé, estudante do 1.º ano de Engenharia Informática, explicou-nos que o que os estudantes de Ciências procuram, nesta ação, é colocar mais pressão sobre quem tem capacidade para decidir sobre o facto de existir, ou não, uma cantina na faculdade, e receber respostas neste sentido.
“Não é possível não vermos com indignação que o projeto que se conquistou na Revolução de um Ensino Superior público, democrático e de qualidade está longe de ser concretizado. Foi a luta do nosso povo, com um contributo fundamental dos estudantes, que consagrou na Constituição da República esse caráter universal do Ensino Superior. Será também através da luta que conseguiremos combater o subinvestimento crónico do Ensino Superior. Será através da luta que conseguiremos ver mais Abril no nosso dia-a-dia em Ciências.”
Terminou por reforçar que esta ação de luta pretende levar a mais avanços e à mobilização dos estudantes em torno deste problema, partindo daqui para a manifestação do Dia Nacional do Estudante, no dia 21 de Março [4], com o objetivo de reivindicar soluções para os obstáculos da realidade das faculdades, como a falta de uma cantina pública com uma refeição completa a preço social, com três opções, sendo uma delas, a opção vegetariana.
Referências
[1] Programa Eleitoral Lista P
[2] Instagram Grupo de Estudantes “Pavão Reivindicativo”