Autoria: João Matta (LEMec)
Ricardo Conde, Presidente da Portugal Space, fechou no dia 16 de outubro o European Rocketry Challenge (EuRoC), no Paddock, em Constância, com uma proposta, no mínimo, curiosa: a possibilidade de ser construído por uma equipa de estudantes um foguete capaz de atingir os 40 km de altitude já no próximo ano. Ficou inclusive a impressão de que preferiria que tal fosse feito por uma equipa portuguesa.
As suas palavras fizeram-me imediatamente lembrar uma das melhores citações daquele que é capaz de ser o meu filme favorito, Apollo 13 (1995), no qual Jim Lovell (Tom Hanks) diz as seguintes palavras: “Daqui adiante, vivemos num mundo em que o Homem pisou a Lua. Não é um milagre; apenas decidimos ir.”
Desde que Kennedy declarou “We choose to go to the Moon” em 1962, até que Neil Armstrong e Buzz Aldrin proclamaram “The Eagle has landed” em 1969, todo o caminho que foi percorrido na exploração espacial, tanto do lado Americano como do Soviético, pode ser reduzido a um único momento: a decisão de irmos até à Lua. Por que não decidirmos ir até aos 40 km de altitude?
E por que não ir ainda mais alto? Aos 50 km? Aos 100 km? Por que não uma órbita baixa? A resposta é óbvia: porque, por muito que sejam bons slogans e um desafio interessante para lançar ao ar, ninguém está disposto a realmente fazer o investimento para alcançar esses objetivos.
Porém, quanto custaria este projeto? Vamos imaginar um foguete suborbital com um alcance que varia entre os 40 e os 100 km – as diferenças técnicas a este nível não são abismais e a tecnologia usada é, maioritariamente, a mesma. Olhando para os orçamentos de equipas de estudantes que chegaram a esses objetivos, podemos ver que o programa REXUS gastou algo entre 500 mil a um milhão de euros, ao passo que a equipa DARE da Universidade Técnica de Delft teve um orçamento ainda inferior a isso, com algo entre os 250 e 500 mil euros.
É fácil de concluir que, com um orçamento semelhante, as equipas portuguesas – como o Rocket Experiment Division (IST) e a North Space (ISEP e UP) – seriam capazes de igualar o sucesso destas equipas, principalmente se fossem diretamente apoiadas pela Portugal Space e pelas Forças Armadas, tanto com financiamento, como com contactos e com infraestrutura para testar os seus motores, paraquedas, estruturas e aviónica.
Adiciono ainda que, em julho deste ano, a Portugal Space recebeu autorização do Conselho de Ministros para gastar 18,5 milhões de euros entre 2023 e 2027. Esse valor equivale a um orçamento de quase 4 milhões de euros por ano. Vale lembrar que, com este orçamento, esperam construir um Porto Espacial em Santa Maria para lançar foguetes suborbitais até ao final do próximo ano.
Sabendo que há dinheiro no sector, assim como no país – o governo prevê um excedente de 2,19 mil milhões de euros em 2023 – a dúvida de algumas pessoas pode ser: porquê investir?
Porquê investir no que é, afinal, uma competição de jovens, muitos deles ainda a concluir a licenciatura? Porquê direcionar fundos e recursos para o espaço? Porquê almejar os 40 km? Porquê almejar os 3 km até?
A resposta é simples: experiência. O que mais falta nos recém-licenciados e mestres portugueses é, sem sombra de dúvida, experiência. Não é admissível querer impulsionar a indústria espacial em Portugal, e fazê-lo até ao ano de 2030 como o governo almeja, sem ter mão de obra qualificada e experiente. É essencial não só aprender teoricamente, como trabalhar diretamente com a tecnologia que estes projetos implicam. Esta tecnologia, uma vez adaptada para os objetivos da indústria e maturada no sector privado, poderá ser revolucionária para a economia.
Atualmente, estamos perto de criar a nossa própria via de acesso ao espaço. Se tivermos o investimento durante os próximos seis ou sete anos, é inevitável que foguetões portugueses cheguem à baixa órbita terrestre, ou quiçá mais longe. Afinal, o Falcon 1 custou 100 milhões de dólares ao longo de 3 anos para ser desenvolvido. O Electron custou também 100 milhões de dólares, e levou relativamente pouco tempo. Estamos a falar de foguetes que revolucionaram a indústria, enquanto que qualquer projeto que tomaríamos seria, em comparação, modesto. Ainda assim seríamos capazes de saborear diretamente os frutos da expansão espacial, as riquezas inexploradas do espaço sideral.
Mas esta dúvida não é desconhecida dos programas espaciais. Durante as décadas de 60 e 70, tanto a NASA como o programa espacial soviético foram vítimas de desconfiança por parte da população e dos políticos. O risco e o custo eram aparentemente demasiado elevados para ganhos tão baixos. Essa desconfiança, e principalmente incompreensão, continuam nos dias de hoje. Porém, a verdade é esta: nunca estivemos tão perto de fazer com que o espaço, a última fronteira, seja nosso conhecido.
Não falta capacidade, falta vontade. Não falta dinheiro, falta compromisso. Não faltam conhecimentos, faltam recursos alocados ao esforço da exploração espacial.
Parece-me que a situação económica e política que a indústria aeroespacial Portuguesa vive é uma em que falta a “decisão de ir”. Essa decisão, essa vontade de desenvolver a tecnologia no nosso país, é essencial para que possamos participar na exploração espacial que irá, sem sombra de dúvidas, intensificar-se nas próximas décadas.
Caso não a haja, então aí vamos mesmo precisar de um milagre.
Referências: