Autoria: Francisco Raposo (MEFT)
Quem nunca trabalhou nas férias de Natal atire a primeira pedra. Para muitos alunos do Técnico, “férias de Natal” não passa de uma simples piada de mau gosto. Uma ilusão, sinónima à ausência de aulas, mas não à ausência de trabalho. E acho que vale a pena distinguir entre ambos.
No Calendário Escolar do IST, vê-se que aquelas semanas entre períodos (P1 e P2, por exemplo) chamam-se “Semana de Preparação” e “Avaliação”. Por outro lado, os dias de Natal e Ano Novo estão incluídos num período denominado “Férias de Natal”. Essa distinção parece-me ir além de uma mera formalidade linguística: enquanto que, numa semana de preparação, não há aulas e espera-se que os alunos (perdoem a redundância) se preparem para os exames que se aproximam, em período de férias, não há aulas nem se deve esperar qualquer trabalho académico por parte dos alunos. É o caso das férias de verão e, na minha opinião, devia ser o caso nas férias de Natal.
No contexto geral da nossa sociedade, o valor que se dá ao Natal é de certo modo contraditório. Se, por um lado, em geral, se perceciona a época como uma de familiaridade, de espiritualidade ou de sacralidade, em que o trabalho contrasta com o próprio espírito das festividades, há milhares de pessoas que trabalham nos dias 24, 25 e 26 de dezembro, seja por necessidade ou por simples ganância patronal. Isso já para não falar dos trabalhadores essenciais. Férias de Natal, no seu sentido mais literal, são um conceito em grande parte confinado ao contexto escolar. Na realidade profissional, os períodos de férias estão sujeitos à gestão de um número anual de dias de férias, algo simplesmente estranho aos estudantes, do ensino básico ao superior.
Dito isso, que o trabalho académico transponha o limiar das férias é, para mim, tão constrangedor quanto um médico trazer o seu estetoscópio para a praia. Para aqueles que estudam nas férias de Natal, mal se distingue o espaço entre a vida privada e de lazer e a vida académica de trabalho árduo. Não é que o Natal seja sagrado, mas férias são férias e assim devem ser.
Por que são assim as coisas?
Há o que é culpa dos próprios docentes e o que é culpa das instituições.
Marcar prazos de entrega de projetos nos dias das férias de Natal é cruel, como ainda se faz no Técnico. Ainda mais se o próprio projeto tiver também o seu início durante as férias de Natal. No primeiro caso, poder-se-ia dizer, ingenuamente, que o aluno tem a escolha de entregar o projeto o quanto antes, mesmo antes das férias começarem. Mesmo que isso fosse possível, algo com o qual discordaria na maioria dos casos por motivos que mencionarei mais abaixo, abrir essa possibilidade já é um abuso e um passo na direção errada.
O Modelo de Ensino e Práticas Pedagógicas (MEPP) parece não ter favorecido a situação. Tendo entrado em vigor no ano letivo 2021/2022, simbolizou na maioria dos cursos a mudança de um sistema de ensino baseado em semestres para outro organizado em períodos. Cada semestre contém dois períodos letivos de 7 semanas separados por uma época de avaliação normal, em que se realizam exames. Entre as 14 semanas de aulas e 4 semanas de exames, com as suas respetivas preparações, que compõem um semestre completo, os dias que cabem entre setembro e dezembro são impiedosamente finitos. A solução parece simples, embora de uma praticidade questionável: colocar a última semana de aulas em janeiro.
Já no ano passado fomos alvo dessa artimanha de agendamento. No meu caso, algo ironicamente, aquele período em que tudo deveria ser mais sereno – o final das “aulas” e o início da dissertação – acabou por ser o mais enervante, senão por esta decisão curiosa.
Primeiro que tudo, há que ter em conta um fator fundamental: no estado atual do MEPP, existe um claro incentivo para colocar os prazos de projetos e as datas de testes na última semana de aulas. Enquanto alunos, não nos deve ser difícil perceber que é do interesse da escola ensinar-nos o máximo possível nas sete semanas que ela própria impôs. Assim sendo, não me espanta que, no limite, muitos dos MAP e projetos possam vir a calhar nessa mesma semana derradeira. Um período de aulas de 7 semanas também não ajuda a criar grandes folgas no trabalho académico, de modo a que seja possível acabar tudo antes das férias de Natal, mesmo que fosse possível.
É também ingénuo achar-se que podemos, de algum modo, mantermo-nos focados até ao dia 20 de dezembro, estudando o que convém, ir a casa durante o Natal e prosseguir trabalho no dia 6 de janeiro como se nada fosse, como se fazer uma pausa tão extensa fosse possível sem perder o passo. Entre acabar devidamente aquele projeto ou uns dias de preguiça, o que se decide? Venha o diabo e escolha.
Talvez batendo demasiado na mesma tecla, foi com grande constrangimento que voei de volta para Lisboa na noite de 1 de janeiro de 2024 para me deparar com um MAP no dia 3 de janeiro, outro no dia 4, uma entrega de projeto no dia 5 e a entrega do Projeto Integrador de Curso no dia 6. Deixo ao leitor a tarefa de imaginar como foram passadas as férias do Natal, no meu caso e de muitos outros colegas.
É difícil comparar com o período pré-MEPP. Sou dos poucos alunos que ainda restam dessa transição, uma espécie condenada à extinção. Em 2020, cheguei a ter um projeto que começou no dia 27 de dezembro e terminou a 29. No ano seguinte, a pandemia permitiu que as férias se estendessem mais uma semana do que o suposto, o que ofereceu alguma folga, mesmo que numa altura calamitosa.
Não sinto que muito tenha mudado nessa área em concreto, pelo menos em termos práticos, a não ser a calendarização, que exacerbou a situação criando as dinâmicas já mencionadas. Embora encontrar dados nesse sentido seja também difícil. Nem todas as avaliações estão disponíveis nas páginas das cadeiras, dificultando a tarefa de averiguar qual a realidade do IST. Os QUC também não incluem qualquer parcela que distinga o trabalho em época de exame daquele feito em período de férias. Talvez porque o próprio Técnico reconheça que férias não são altura de trabalho.
O que se passa não é apenas material, mas também ideológico, se se pode denominar assim. O ambiente académico é antagónico ao descanso, de certo modo. Seja no desejo de nos puxar ao máximo, seja por falta de noção, por vezes, pede-se demasiado. Mesmo aqueles mais apaixonados pela engenharia, pela ciência e pela tecnologia não são alheios ao cansaço total. Mesmo aqueles apaixonados pelo que o Técnico tem para oferecer não podem olhar para isto com bons olhos, senão porque reconhecem a importância de uma devida pausa, então porque sabem que o mundo demora algum tempo a ser digerido e que há coisas além das paredes da faculdade. Há atividades extracurriculares ou mesmo curiosidades académicas, além do que é lecionado, que merecem ser aprofundadas.
No fundo, é uma expressão profunda da exigência que se nos impõe a todo o passo, nesse caso injustificadamente. Pedir-nos que trabalhemos durante as férias de Natal não nos tornará engenheiros mais hábeis, apenas melhores máquinas de trabalho automático.
Não acho que a vida estudantil deva ser alheia ao descanso, mesmo a dos estudantes da melhor escola de engenharia do país. Nesse aspeto, confesso-me um pouco idealista: saúdo quando a palavra férias significa mesmo férias. Caso contrário, chamo só descanso adiado.
Não querendo soar demasiado dramático, esta situação é puramente triste.