Sobre ratazanas

Autoria: João Cardoso (LEIC)

Se há um animal que se tornou sinónimo de sujidade, doença e abjeção é a ratazana. No que concerne aos decibéis dos gritos dos mais suscetíveis, talvez apenas a cobra e a aranha possam rivalizar no que toca às reações que suscitam. Todavia, ao passo que os nossos amigos répteis e artrópodes raramente causam transtornos tangíveis, a nossa aversão a estes advindo de uma programação subconsciente que remonta a antepassados longínquos, o facto de que animais como hamsters não suscitam reações de repugna sugere que o temor que temos às ratazanas tem uma génese cultural radicada na nossa memória coletiva. Com efeito, terão sido as ratazanas o principal vetor de transmissão da peste negra, que entre 1346 e 1353 exterminou entre 30% a 60% da população europeia. Não é de admirar, consequentemente, que a opinião pública face à ratazana não fosse particularmente elevada no século XIV, tendência que se tem vindo a manter com força.

Contudo, sabe-se hoje que o verdadeiro transmissor da peste se tratava das pulgas que as ratazanas portavam, e não das ratazanas em si. Se quisermos ser ainda mais precisos, poderemos atribuir a culpa não às pulgas, mas ao bacilo Y. pestis que estas transmitiam através da mordida.

Ainda assim, talvez a culpa possa ser atribuída a algo mais abstrato. Para muitos dos que viram a peste dizimar as suas comunidades, o verdadeiro motivo da peste era nada mais que a ira divina, manifestada através de um castigo de proporções bíblicas.

Alternativamente, um bom bode expiatório apresenta-se sempre como uma oportunidade de transformar uma insatisfatória condição de sofrimento numa narrativa moral em que há culpados e vítimas. No caso da peste negra, foi a comunidade judaica o alvo das frustrações da população cristã da Europa, que perseguiu, torturou e executou milhares de judeus, por se entender que eram responsáveis pela contaminação de água e de alimentos.

Verifica-se, portanto, que face a um sofrimento inexplicado, não é necessariamente preciso entender de onde surge – basta uma boa história, com bons e maus da fita.


O psicólogo canadiano, intelectual público, e homófono do sapo Cocas Jordan Peterson é talvez a pessoa viva que mais enaltecerá a importância de uma boa história, quer seja a Bíblia ou o Pinóquio. Contudo, dado que o antissemitismo se encontra atualmente bastante démodé, e como culpar ratazanas está fora de questão para alguém que fala sobre elas com tanto fascínio, Peterson coloca no centro da sua história moralista aqueles a que chama “neo-marxistas pós-modernistas” – supostos intelectuais da esquerda radical que acredita terem adotado a linguagem do pós-modernismo por forma a disfarçar as suas afinidades marxistas num mundo em que as atrocidades cometidas por governos comunistas já haviam descreditado totalmente os seus ideais[1]. Desta maneira, Peterson diz que colocam de parte a análise da sociedade pelo prisma do conflito de classes, trocando-o pelo da luta entre identidades distintas, como as de género ou sexualidade, reduzindo toda a disposição hierárquica humana a meros conflitos de poder, não justificados e não justificáveis. É claro que Peterson não deixa que detalhes diminutos como a realidade objetiva se coloquem entre ele e o processo de contar uma boa história, já que faz vista grossa ao facto de muitos destes intelectuais terem sido marxistas assumidos e ao facto inconveniente de que nenhum deles alguma vez tenha defendido o que quer que seja do que ele lhes atribui. Talvez esteja ciente disto, mas goste mesmo muito da história do Pinóquio, ainda que não seja o nariz que cresça quando fala.

Não obstante a existência duvidosa destes perigosíssimos radicais de esquerda, é certo que foi pelo seu antagonismo a eles que Peterson ganhou notoriedade, já que em 2016 se opôs publicamente a uma lei que visava estender proteções contra a discriminação ao domínio da expressão de género, algo que, a seu ver, iria criminalizar o uso de pronomes que não os prediletos da pessoa a quem se referem. Afinal, tal constituiria indubitavelmente um primeiro passo na direção da mesma tirania que assolou os países comunistas no século XX, imaginando-se Peterson como um Dorian Gray que regressa a casa e vê esboçado no seu belo retrato o vago contorno de um bigode à Estaline.

Escusado será dizer que a lei foi aprovada e que, desde então, não há registo de qualquer pessoa que tenha sido enviado para o gulag por ofensas pronominais, algo que não impediu Peterson de se tornar uma espécie de super-estrela não só na esfera conservadora, mas também a nível parental, já que a sua indumentária antiquada e semblante severo, mas compreensivo, o permitiram assumir o papel de papá digital para muitos jovens pelo mundo fora. Com efeito, bastará a qualquer um dirigir-se à secção de comentários de um dos seus vídeos para ver milhares de comentários de fãs, escritos num tom venerante e que por vezes tenta emular os seus distintivos padrões discursivos, a afirmar que foram puxados de um poço tenebroso de desespero por ele e que lhes deu a força para continuar com a vida. O que haverá no que ele tem para dizer que tenha este efeito tão profundo?

A mensagem de Peterson poder-se-á resumir de forma muito grosseira e incompleta em duas partes:

  • O mundo consiste numa oposição constante entre ordem e caos, a la yin-yang. Este primeiro refere-se às partes do mundo que compreendemos, e dentro das quais as coisas fazem sentido, enquanto o segundo refere-se ao desconhecido, dentro do qual não conseguimos agir.
  • As hierarquias existem e têm razão de ser, atendendo à sua prevalência no mundo animal, ao contrário do que esses malditos pós-modernistas afirmam, provavelmente. Dentro destas hierarquias, é preciso evitar por um lado a ordem excessiva e opressiva dos governos tirânicos (como os que esses biltres da esquerda radical querem estabelecer) e por outro o caos pervasivo do niilismo anárquico (que os de esquerda também devem querer, provavelmente). O meio-termo que Peterson oferece como solução é o foco no indivíduo e no seu desenvolvimento, por forma a evitar o desespero do niilismo e maximizar a sua posição na hierarquia. [2]

Por esta altura, devo confessar que me daria imenso gozo discorrer sem fim sobre o pensamento simultaneamente imaturo e serôdio de Peterson, e acoimá-lo pela sua transfobia, misoginia, hipocrisia e acima de tudo pelo seu desrespeito para com Foucault e Derrida, que por acaso são os meus papás digitais prediletos. Contudo, visto já ter acabado com a carreira de Francis Fukuyama e André Ventura em artigos passados, irei poupá-lo a minha crítica fulminante, até porque ver os seus vídeos é uma espécie de guilty pleasure meu, já que no vazio discursivo dos outros tenho tendência a projetar aquilo que quero ver, e Peterson é o mestre do dizer nada eloquentemente. Efetivamente, os seus tentáculos retóricos estendem-se não só a mim mas também a milhões de pessoas, a sua viscosidade superficial espelhando uma necessidade psicológica profunda que possuem, e que a sociedade nunca se dignou a corresponder.

Tendo isto em mente, torna-se claro que, por mais que Peterson possa ser culpado pela toxicidade da ideologia da qual é um vetor de transmissão, a verdade é que esta tem sucesso por se adaptar a inseguranças psicológicas por parte da sua audiência. E não é só a ideologia peculiar de Peterson, há elementos que são comuns a diversos discursos e comunidades, quer seja à chamada “manosphere”, quer seja aos cultos e seitas cujos membros se referem aos líderes em tom semelhantemente venerador. O sucesso reprodutivo destas ideias poderá então revelar mais sobre o ambiente em que se alastram do que acerca delas próprias.

Na nossa discussão da transmissão da peste, fiz questão de não apontar um culpado claro – cingi-me à exposição de vários potenciais culpados. Todavia, a vida ensinará ao homem que esteja recetivo às suas lições que a culpabilidade é uma questão para tolos, e que serve mais para satisfazer a nossa necessidade de reduzir a realidade a categorias morais simplistas do que para fazer algo quanto a um problema. Tal lição é acatada implicitamente pela consciência moderna no que toca à peste negra, já que se reconhece de forma incontroversa que o seu verdadeiro potenciador foi a falta de higiene generalizada. Para nós, que vivemos enquanto crianças o período da gripe A, e mais recentemente da Covid-19, temos presentes na memória as rotinas de ensaboamento de mãos das nossas infâncias, que se assemelhavam a uma encenação de meia dúzia de posições do Kama Sutra, pelo que temos bem presente a importância da higiene, o que significa que nos é evidente que uma sociedade em que esgotos corriam nas ruas fosse terreno fértil para todo o tipo de doenças. Depreende-se que, se o nosso objetivo é mesmo melhorar algo, ser-nos-á muito mais produtivo perceber quais as vulnerabilidades existentes e eliminá-las do que culpar quem se aproveita delas.


Parece-me prudente a este ponto perceber de que forma a mensagem de Peterson vai ao encontro das vulnerabilidades daqueles que a adotam.

O primeiro elemento do seu pensamento que referi mais acima prende-se com a oposição entre ordem e caos. O facto de esta dicotomia se ter evidenciado, de uma forma ou de outra, ao longo dos séculos, parece sugerir que terá alguma relevância, e Peterson chamar-lhe-ia de “verdadeira”, mais até do que as verdades científicas. A verdade é que vivemos num mundo que nos parece cada vez mais caótico, em que é difícil ter informação adequada sobre o que quer que seja, em que parece haver ramificações intermináveis para cada escolha, interpretações intermináveis para cada evento, e em que os moldes sociais que nos são incutidos pelos nossos pais e demais membros da sociedade parecem totalmente desadequados às nossas necessidades emocionais e de expressão própria, ainda que a tendência seja aceitá-los por parecerem mais seguros do que desbravar um caminho único por um mundo que em muito supera a nossa capacidade de o compreender e prever.

Os filósofos do movimento pós-modernista, quando não estavam ocupados a destruir os alicerces da civilização ocidental, dedicavam-se tanto a diagnosticar esta condição cultural como a recebê-la de braços abertos. Quer se leia Baudrillard, que nos revela cinicamente como no mundo de hoje somos assoberbados por correntes incessantes de informação, criando por isso categorias artificiais de previsibilidade e conformismo, nas quais identificamos a nossa realidade apesar de estas serem artificiais; ou quer se leia Foucault, que em tom analítico desconstrói as teias de ideologia institucional que sustentam a legitimidade que a sociedade confere aos seus órgãos, há inerente ao pós-modernismo uma aceitação da profunda contingência de todas as estruturas condicionantes à nossa vivência na sociedade. Não é de admirar, por conseguinte, que Peterson se oponha à escola inteira. Ainda que o pós-modernismo nos ofereça uma escapatória das categorias e instituições convencionais, é importante constatar que há uma dualidade inerente à liberdade, na medida em que quanto menos condicionados estamos, mais responsáveis somos pelo nosso destino. Enquanto um intelectual francês verá nas normas sociais e institucionais um empecilho à sua auto-designação, Peterson verá nelas as condições necessárias para que a sociedade não degenere, à semelhança da União Soviética ou outros regimes tirânicos.

O segundo elemento que Peterson oferece, então, é uma ideologia, que se poderá descrever como um individualismo robusto, em que o desenvolvimento pessoal e maximização de prestígio hierárquico assumem protagonismo, ainda que sempre associados à ordem tradicional – papéis de género convencionais e conservadorismo (ou “liberalismo clássico”) a nível político. Apesar desta vertente mais típica, a sua ideologia surge polida por formidáveis contorcionismos retóricos, que arrebitariam o olhar aos mais ávidos praticantes do Kama Sutra, e que infundem o seu discurso com um ar de je ne sais quois, que vai ao encontro da ideia que os seus fãs têm do que o intelectualismo implica . Trata-se de uma certa postura de “esta verdade que eu tento transmitir é tão colossal que mesmo eu, no alto da minha sabedoria, apenas consigo transmitir um bocado de cada vez, mas faço-o à mesma porque é o meu dever divino”, ou algo do género[3].

O que Peterson promove é, fundamentalmente, uma reiteração dos papéis sociais que recebemos dos nossos pais – afinal, insiste na importância de “limpar o teu quarto” – acoplados a uma enfática rejeição dos elementos políticos modernos – feminismos e ideologias de género “radicais” e afins – que desestabilizam a ordem tradicional.

Porém, não acho que isto, por si só, explique o sucesso tremendo que Peterson tem, atendendo a que no mundo de hoje parece que todos estão ou a oferecer alguma ideologia que faça sentido de tudo e que nos ajude a ter mais sucesso e felicidade, ou a consumir uma dessas ideologias. O seu sucesso, a meu ver, é explicado por outro fator e, para o compreender, teremos de recorrer a um pouco de teoria interseccional[4].

Se algum fã do nosso imitador de sapo Cocas predileto tiver chegado a este ponto, será tão certo dizer que tem uma mente louvavelmente aberta como que terá um par de globos oculares fortemente revirados neste instante, à conta da anterior referência à interseccionalidade, teoria que para Peterson é não só errada, como também perigosa. Não obstante, diria que a aversão à teoria por parte dos seus fãs não se deve exclusivamente aos seus esforços de persuasão, mas que tem raiz num desconforto mais primário. É legítimo então perguntar: a que se deve este desconforto?

De forma resumida, esta teoria analisa as formas multíplices em que as identidades inatas e socialmente conferidas de uma pessoa – género, raça, sexualidade, classe, atratividade física, entre outras – estão relacionadas com a discriminação e o privilégio que experienciam. É uma teoria com imensas nuances e poder explicativo, contudo, no clima político atual, é comum que padeça da doença conhecida comummente como moralidade, em que a discriminação serve de enaltecedor dos feitos daqueles que dela sofrem, e o privilégio se reduz a uma categoria moral, aplicada àqueles que ganharam a lotaria social, e que por esse motivo não têm direito a refilar.

É esta a interpretação que Peterson faz da teoria, referindo-se a propósito dela àquilo que chama “Olímpiadas de opressão”, em que os vencedores são os que se encontram no centro do diagrama de Venn dos grupos minoritários que são alvo de discriminação.

É aqui que começa a fazer sentido o desconforto que a interseccionalidade causa àqueles que supostamente beneficiam de todo este privilégio. A forma como uma conceção moralista da teoria é recebida por um jovem branco de classe média, sem rumo na vida, é a de uma enfática afirmação de que as suas provações não merecem empatia por parte da sociedade. Voltando à dualidade inerente à liberdade estabelecida anteriormente, trata-se de uma recusa a reconhecer a dificuldade que esta acarreta, e a responsabilidade tremenda de não ter barreiras ao cumprimento do nosso potencial[5]. Para mais, implica que seja inacessível, a nível social, a prática de uma identidade estável, como aquelas reservadas a membros de minorias, já que a masculinidade tradicional é vista como uma exibição de mau gosto de poder ilegítimo, patriarcal e tirânico. Para cúmulo, os mesmos traços tóxicos que nos rapazes são alvo de crítica são louvados quando exibidos por membros de outras comunidades marginalizadas, pense-se na clássica girlboss, que traz glamour feminino à tríade obscura.

Ressalvo aqui que não pretendo criticar a interseccionalidade enquanto teoria, mas sim a sua canibalização pela visão moral do mundo, por oposição a uma visão pragmática (que se preocupa mais com reduzir as desigualdades do que em atribuir culpa). A moralidade, afinal, tem duas funções: a regulação e categorização social da porção do ego que chamamos a boa consciência; e a separação clara daqueles que por serem louváveis são merecedores de empatia daqueles outros que são merecedores de escárnio, por irem contra a moralidade prevalecente. A visão moral não é um problema de esquerda ou de direita, ainda que grande parte da direita moderna seja inseparável das categorias morais que promove. É um problema de todos aqueles que só pensam no bem e no mal enquanto atributos de pessoas, em vez de se focarem no bom e o mau, algo que Nietzsche já criticava há mais do que um século[6].

Tendo tudo isto em mente, aventurar-me-ia a dizer que o sucesso de Peterson se deve à sua capacidade de empatizar com aqueles que sentem que ninguém reconhece as suas dificuldades. Quando aconselha emotivamente um jovem a limpar o quarto, tem por detrás uma mensagem de reconhecimento da dificuldade inerente à existência, dificuldade esta cuja superação começa pela lida doméstica, por ser um primeiro passo exequível na direção de controlar as condições em que vivemos. Contraste-se isto com o pai ou mãe para quem a limpeza do quarto é uma tarefa trivial, cuja execução não é digna de elogio, ainda que prontamente critiquem o seu filho caso não seja cumprida.

É apenas posteriormente a este reconhecimento empático que Peterson oferece a sua ideologia, que promete guiar os seus seguidores pelo percurso árduo da realização própria. Em tom mais geral, penso ser esta a estratégia de todos aqueles que na propagação das suas ideias conseguem reunir uma legião de fãs que proclamam o seu apoio incondicional. É por isso que os comentários nos vídeos de Peterson se referem a ele em tom quase bíblico de tanto que o exaltam. É por isso que pessoas de outra forma profundamente medíocres conseguem criar cultos, seitas e movimentos políticos. É uma simples questão de analisar o campo de jogo do discurso moral de uma determinada comunidade, perceber a quem é que foi vedada a empatia dos seus membros como resultado das categorias morais vigentes, e estender empaticamente uma mão repleta de ópio ideológico: uma linguagem moral que valida as inseguranças da vítima, construída por forma a beneficiar o/a querido/a líder, expressa em termos ocos o suficiente para que a vítima possa imaginar profundidade ou capacidade por detrás de palavras caras manuseadas com perícia mas sem destreza.

Com efeito, as imagens estereotipadas de um manipulador – um Hannibal Lecter de olhar intenso ou um vilão de um filme do James Bond a afagar sinistramente o seu gato de colo – não correspondem à realidade, já que os melhores manipuladores começam sempre por mostrar profundo interesse em tudo o que dizemos e compadecimento com as nossas dificuldades. A primeira interação com um mestre da manipulação é sempre pautada por elogios efusivos proferidos com uma confiança energética que é sustentada por uma personalidade idiossincrática, deixando-nos sempre extremamente validados. Porém, a sua empatia só se manterá enquanto comermos da sua mão, esvaindo-se prontamente assim que formos vistos como uma ameaça ao seu ego, ponto a partir do qual passamos a estar do lado de lá do limiar de empatia que estabeleceram com a sua moral.


Ao escrever este texto, encontro-me numa situação ingrata, da qual não poderei sair a ganhar. Por um lado, se estiver errado na minha tese, ou se ninguém ler o meu texto, o meu ego sofrerá um golpe tremendo, dado que até à data nunca estive errado quanto a nada e os meus artigos têm sido lidos por todos os cantos do mundo. Por outro, se tiver razão e o meu texto for lido, é expectável que seja alvo de condenação por tentar empatizar com Peterson e os seus seguidores, sem reconhecer devidamente o mal que fazem à sociedade, a começar pelas pessoas transgénero que têm que lidar com o desprezo acerbo do mais bem-sucedido imitador do sapo Cocas.

Ainda assim, não consigo deixar de pensar no que teria acontecido se não fosse Peterson o primeiro a mostrar empatia para com estes jovens inseguros, empatia que é sem dúvida extremamente genuína, atendendo às lágrimas que inundam os seus olhos sempre que a revela. Não consigo deixar de imaginar como as coisas teriam sido se o rumo que lhes fosse apresentado fosse um de valores progressistas e não de tradicionalismo.

Deste modo, espero que pelo menos para alguns dos leitores deste texto se torne claro que criticá-lo nestes termos é falar a mesma linguagem que possibilita o seu sucesso. A falta de empatia é uma falta de higiene que potencia o surgimento de doenças, que embora não provoquem pústulas na pele, afetam a alma e reduzem a condição de quem delas padece. Poderemos olhar para Peterson e ver uma ratazana pestilenta, mas eu escolho ver um mamífero que em certos aspetos não difere em assim tanto de um hamster (ou do sapo Cocas), e que dada a sua natureza não tem como evitar propagar as pulgas que o afligem aos outros. Poderemos ficar irascidos com a sua presença, sob risco de nos passar ao lado a solução que teria melhores hipóteses de funcionar. Da mesma forma que olhamos para a peste negra, talvez daqui a uns séculos também olhemos para o passado, com a sobranceria que apenas o olhar intergeracional possibilita, perplexos com a nossa incapacidade de ver a solução para o problema, que se resume à prática, não de higiene, mas de amor e compaixão, também inspirado no Kama Sutra, oxalá.

Referências:

[1] – Jordan Peterson on the Problem with Postmodernists – The Joe Rogan Experience | YouTube

[2] – Peterson, Jordan B. (2018). 12 Rules for Life: An Antidote to Chaos. Random House Canada. Chapter 1

[3] – Peterson, Jordan B. (1999). Maps of Meaning: The Architecture of Belief. Routledge, pp.354-6.

[4] – Connecting the Manosphere | YouTube

[5] – Sartre on Anguish: “We Are Anguish” | that-which.com

[6] – Nietzsche, Friedrich. 1886. Beyond Good and Evil: Prelude to a Philosophy of the Future, ed. by R.-P. Horstmann and J. Norman

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