Autoria: Tomás Faria (LEMec)
Há uma sensação que já conheço bem
Que é a de não sentir nada.
De ver que todas as coisas que sei sobre mim
Se juntaram e se fizeram à estrada
Sem dizer adeus.
Entretanto, eu fiquei assim,
Na porta da entrada,
Como uma bolachinha inútil
No fim do pacote
Que se julgava terminado.
Não sei se já vos aconteceu,
Mas é um bocadinho frustrante ser uma bolacha.
Prometi a mim mesmo que não ia falar mais disto,
De bolachas,
Porque ia fazer dieta
E não convém pensar em bolachas
Quando se está de dieta.
Mas aqui estou eu.
“Toda a gente tem dias de bolacha inútil.”
É a primeira coisa que me dizem quando falo de bolachas.
É normal não sair do pacote,
Não alimentar nada,
Não ver a luz do dia de vez em quando.
Faz parte! Se assim não fosse,
A vida não seria o que é.
Ora, há vários problemas com isto.
Tão vários que chegam a ser bastantes.
Primeiro, há muitos tipos de bolachas.
Existem as Oreos, por exemplo,
Que nunca estão 100% sozinhas
Porque são essencialmente duas bolachas mais creme,
No mínimo.
E existem as bolachas-maria,
Que ficam moles no fim do pacote
E até se sentem mal por lá estarem.
Mais vale fazer-lhes o favor
E deitar todo o resto ao lixo.
Ao menos as Oreos ainda dão para fazer mousse.
E não só!
Há também a diferença
Entre ser uma bolacha-maria
Durante semanas ou um par de dias,
Mas todos se acham peritos na culinária
Por terem sido uma vez uma barra energética,
Que pode ser inútil até lhe pegarem,
Mas que está cheia de vida na mesma.
Há, também, pessoas que não entendem
Que a bolacha é um eufemismo,
Uma leveza que não permite mentir
E dizer que não me apetece existir.
Não há quase ninguém
Que fale de já quase não ter existido
Porque sabe que, para os outros,
Isso nunca vai fazer sentido.
Na verdade, mesmo para quem já não quis,
É um sentimento febril e incapturável,
Que não depende do próprio para ser derrotado,
Apenas se pode preparar maneiras de ser evitado.
É como uma viagem transatlântica
Em altura de tempestade:
Preparam-se as rotas,
Estudam-se os padrões meteorológicos,
Até se fala que se pode tornar numa bolacha,
Tudo a tentar evitar o olho,
O Adamastor do pensamento,
Porque se sabe que encontrá-lo,
E combatê-lo,
É a mais importante das batalhas
Que, quando começa,
Já não conta com mais ajudas.
Apenas se o barco aguenta o Triângulo das Bermudas
E o grande horror Adamastor,
Gigante monstro de falas mudas.