Autoria: Daniela Felício (NOVA FCSH)
É sexta-feira de manhã e, como acontece todas as semanas, o Clube de Cervejeiros do Instituto Superior Técnico (IST) tem encontro marcado para mais um dia de produção.
São 09h00, não se vê quase ninguém nas ruas da faculdade. Os cervejeiros estão reunidos no espaço de churrascos e começam as preparações para dar início a mais um dia de produção. André Godinho, Presidente do Clube de Cervejeiros, transporta um balde com malte, desde as instalações do clube, dentro das galerias da piscina, até à casinha, que fica junto aos campos de padel, local onde irá decorrer o fabrico da cerveja artesanal.
O primeiro passo do processo é ferver a água da torneira para libertar quaisquer compostos voláteis, como, por exemplo, o cloro. “Há sempre um ou dois cavaleiros que se sacrificam e chegam às oito da manhã para vir aquecer a água, que é o que demora mais”, partilha André. “Vamos fazer 40 litros de cerveja por isso estamos a utilizar cerca de 10 quilos de malte”. Este é um dos quatro ingredientes da cerveja, juntamente com a água, o lúpulo e a levedura. “O malte de base, neste caso, foi providenciado pela Sagres, que é a única malteria do país, através das nossas parcerias”, explica o Presidente do clube.
O Clube dos Cervejeiros é uma secção autónoma da Associação dos Estudantes (AE) do IST. “Recebemos ajuda direta da AE e claro que eles também beneficiam da nossa atividade e das iniciativas que fazemos para os estudantes”, esclarece André. A atividade principal do clube é o workshop semestral. “Convidamos os alunos a virem produzir connosco, podem trazer uma receita e decidir o que querem na cerveja”, explica o Presidente. “Às vezes as pessoas inventam tanto que até bacon já colocaram numa cerveja”. A iniciativa não é apenas para estudantes do Técnico, expande-se a alunos de todas as faculdades. “Fazemos produções quase todas as semanas e todas as pessoas têm a oportunidade de aparecer”, reforça André.
João Alexandre, membro do departamento de produção e investigação, procede à limpeza de alguns instrumentos necessários e prepara os materiais para dar início ao segundo passo do processo: a moagem. O objetivo desta fase é a exposição dos açúcares. À medida que vão colocando o malte dentro do moinho, os cervejeiros preocupam-se em ajustar a velocidade da máquina para que este não fique demasiado moído. A manivela do moinho foi substituída por um berbequim para acelerar o processo. “Nós somos engenheiros, temos que usar isso a nosso favor para fazer algo como deve de ser”, afirma André Godinho.

“Estamos a produzir uma India Pale Ale (IPA) para o nosso aniversário, que é dia 9 de dezembro”, relembra o Presidente do Clube. Madalena Costa, membro do departamento de formação e eventos, junta-se para ajudar. Durante a moagem, a aluna discute com André algumas ideias para o tema do convívio de celebração dos 11 anos do clube. “Devíamos fazer uma prova de cervejas”, sugere Madalena. Cerca de 30 minutos depois o malte está todo moído e o ingrediente, de tom castanho forte, desfez-se em pedaços agora envolvidos num pó. “Isto branco é o amido, que é uma cadeia complexa de açúcares”, explica André.
“Pelos vistos hoje há churrasco”, diz, num tom alto, uma professora que passa. João desliga a panela para que a água pare de aquecer. André vai sistematicamente confirmar a receita para que não haja erros. Para iniciar a próxima fase é necessário atingir os 67ºC, “a temperatura indicada para conseguirmos atingir uma maior extração de açúcares”, explica André. Os cervejeiros utilizam a água refrigerada das imperialeiras para descer a temperatura. Colocam uma espiral com a água fria dentro da panela, de forma a que não entre em contato com a água quente. André ajusta a quantidade de água, para atingir os trinta e sete litros. “As calculadoras que nós utilizamos para fazer as receitas têm tudo em conta para que o resultado final seja os 40 litros”, esclarece o Presidente do clube.
Após a água atingir a temperatura necessária, os cervejeiros submergem o malte moído e dão início a uma nova fase: a brassagem. “Aqui o objetivo é a transformação do açúcar complexo em açúcar simples”, explica João. O cheiro a cereal é tão intenso que quase faz mal aos pulmões respirar. Passado uns segundos, a água transforma-se num novo líquido, mais acastanhado: o mosto. “Os maltes têm algumas moléculas que de facto caracterizam a sua cor e isso passa para o mosto”, explica André. O sistema de produção de cerveja tem um refluxo que faz correr o líquido por um tubo. “Já está a mudar de cor, mas ao longo do desenvolvimento da braçagem ainda vai mudar bastante”, diz André.
“Convém mexermos regularmente porque existem sempre zonas no meio que podem estar secas e faz sentido que a água consiga chegar a todos os lados”, afirma André. João utiliza o refratómetro para medir o valor da densidade, isto é, a quantidade de açúcares no mosto:
“Começámos a utilizá-lo recentemente, mas é um dos instrumentos mais importantes que um cervejeiro pode ter”. Na receita é estabelecido um alvo de densidade a atingir e, por isso, realizam-se medições regulares. “Assim, conseguimos ter uma ideia se está a correr bem, se está a correr mal, que ajustes temos que fazer”, explica João. A brassagem demora 60 minutos e é a fase na qual há mais probabilidades da produção correr mal: “Se houver uma má extração de açúcares, depois as leveduras não vão fermentar todos os açúcares que são capazes de fermentar e a cerveja fica seca”, explica André.
São 10h30. “Agora começa a aparecer o resto da malta”, diz André. Ao longo do dia vão chegando outros membros do clube que realizam side tasks importantes. É o caso de Vlad Nagorni, encarregado de arranjar um dos instrumentos do clube que não está a funcionar: uma sonda que se coloca dentro do mosto para medir a densidade. João mete música na coluna, enquanto o André mexe o mosto com uma pá e falam da noite anterior. “Isto é outra faceta dos cervejeiros, nós começamos sempre a divagar”, diz João. Entretanto chegam mais dois membros do clube que trazem o fermentador e as ferramentas necessárias para o próximo passo, e iniciam a limpeza.
Antes da finalização da brassagem, André vai até às instalações do clube para ir buscar
garrafas com cerveja antiga que serão reutilizadas. O caminho até lá chegar é longo. “É aqui que fica tudo guardado”, diz o Presidente. O espaço é uma espécie de escritório sem porta. À entrada estão afixadas fotos das pessoas que fizeram parte da coordenação nos anos anteriores. Entre garrafas de cerveja e arcas de refrigeração, ficam guardados os materiais que fazem funcionar o clube. “Se tivéssemos outro espaço facilitava a produção”, partilha André. Ao canto há fermentadores com diferentes cervejas de outras produções. André faz as contas: “Temos 60 litros, mas hoje vêm mais 40, por isso na totalidade serão 100”.

Passado uma hora termina a brassagem. Já de volta à zona de produção, André e João provam o mosto, que agora tem um sabor adocicado. “O amido não é doce, mas o açúcar simples, que é o que nós temos agora, é doce”, afirma João. Com a ajuda de outros membros, dão início ao próximo passo: a expressão. A panela onde foi feito o mosto tem uma parede e um fundo falsos, que lhes permitem retirar os resíduos como, por exemplo, as cascas do malte e proceder à sua lavagem. “O objetivo é escorrer todos os açúcares que existam no meio dos grãos”, esclarece André. Os alunos explicam todos os processos que envolvem cada etapa, tal como acontece durante os workshops. “Nós aproveitamos sempre para dar estas palestras para que a malta vá aprendendo e não esteja só a ver a cerveja a ser feita”, partilha João.
Às 11h50 o mosto já não está doce. Aumenta-se a temperatura da panela, pois a próxima
etapa é a fervura. André mede a densidade, enquanto os outros alunos esvaziam as garrafas antigas para dar lugar à cerveja nova. O refratómetro marca 52,5. “Se o objetivo pre-boil era 54, está perfeito”, diz o João. Passado 20 minutos o líquido começa a ferver e está na hora de começar a adicionar o lúpulo. “Existem diferentes variantes com diferentes características que podemos adicionar à nossa cerveja”, explica André. Este ingrediente é utilizado para conferir longevidade à cerveja, para controlar o seu aroma e dar alguma amargura. “Parece comida de galinha”, observa João, enquanto coloca o lúpulo num filtro, e mergulha-o no mosto. “Em Portugal o mercado é dominado por cervejas que não têm muita amargura, mas, particularmente, na cerveja artesanal, vamos buscar a amargura ao lúpulo”, esclarece André.
Às 13h08 termina a fervura. O cheiro do líquido tornou-se mais intenso por causa do lúpulo.
João tapa a panela para começar o arrefecimento do mosto. Este processo é essencial para que a fermentação seja possível. “O intervalo de funcionamento das leveduras é entre 10 a 30 graus”, explica André. Esta etapa também tem a duração de cerca de uma hora. “O processo de produção de cerveja é demorado”, relembra André. Neste intervalo, chega o Presidente do Técnico, interessado em saber sobre o processo de produção. João dá-lhe a provar o mosto, enquanto conversam sobre o clube. “Acho que esta iniciativa é fantástica e acho que a cerveja está cada vez melhor”, afirma o Presidente antes de se retirar.

“Malta ‘tá na hora”, anuncia André. São 14h15 e os alunos juntam-se para carregar a panela até às instalações do clube. João faz espaço na arca para colocar o fermentador. “Temos de manter a temperatura constante para as leveduras fazerem a sua atividade metabólica, têm de ter as condições perfeitas”, relembra André. Depois de adicionar as leveduras, os alunos utilizam um tubo para passar o mosto da panela para o fermentador, processo que demora cerca de 30 minutos. “Agora fica a fermentar 2 semanas, não há tanto trabalho envolvido, é mais só esperar que corra tudo bem”, afirma André, dando como finalizado mais um dia de produção. São 15h00. Depois de se certificarem que tudo fica arrumado, os alunos vão finalmente almoçar. As atividades do Clube dos Cervejeiros só regressam na próxima sexta-feira.