A capitalização da proteção ambiental

A proteção do meio ambiente é um tema premente na sociedade atual, assistindo-se a um movimento que ganha cada vez mais voz com greves climáticas, crescimento da popularidade de partidos que apregoam a defesa ambiental, proliferação de documentários focados neste assunto e inúmeras campanhas publicitárias de grandes marcas que divulgam os seus novos valores de sustentabilidade. Ser amigo do ambiente está claramente na moda, mas até que ponto não é inconsequente?

Autoria: Inês Dias, MEMec (IST)

Não há qualquer dúvida que é moralmente correto ter em consideração a proteção ambiental no nosso comportamento quotidiano. Por essa razão, e advindo de empresas líderes em poluição, surgiu a estratégia de greenwashing, que consiste em embrulhar os produtos a fim de parecerem um atentado menor ao meio ambiente do que aquilo que realmente são, como se o consumismo pudesse ser, alguma vez, sustentável. Esta estratégia está presente na extrapolação de uma percentagem reduzida de produtos reciclados para que toda uma empresa seja encarada como amiga do ambiente, ou na utilização de linguagem demasiado vaga, como ecológico ou sustentável, sem entrar em pormenores concretos sobre a justificação para tais afirmações [1]. Greenwashing é o foco na aparência verde e não na prática.

Na altura da demonização das palhinhas de plástico pela poluição dos oceanos (quando, na verdade, a grande responsabilidade recai sobre materiais de pesca [2]), a Starbucks decidiu substituir as tampas dos copos para não ser necessária a utilização de palhinhas, num gesto que, à primeira vista, aparenta ser um passo em frente para o ambiente, quando, na verdade, esta substituição se traduziu na necessidade de uma maior quantidade de plástico do que inicialmente [3]. Outro exemplo é a linha Conscious da H&M, utilizada para posicionar a marca como sustentável, ao utilizar algodão orgânico e poliéster reciclado na sua confeção [4]. No entanto, é uma marca de fast-fashion, cujo objetivo é incentivar ao consumo desenfreado para se manter a par de tendências ditadas por quem procura lucro, o que não se coaduna, de todo, com sustentabilidade. Além disso, não chega ao cerne de todo o problema: a indústria têxtil é a segunda mais poluente do mundo, sendo responsável por um enorme consumo de água e uma fonte de imenso desperdício [5]. Uma linha de roupa que utiliza algodão orgânico não consome menos água [6], porém é de louvar a escolha de poliéster reciclado. É um primeiro passo em direção à sustentabilidade, mas é completamente abafado pela curta duração do tempo de vida da roupa promovido pela indústria.

A tentativa de beneficiar da popularidade da aparência sustentável está, também, na divulgação de informação a que somos sujeitos. Há cada vez mais documentários que se focam no tema, mas há alguns que, apesar de serem cinematograficamente incríveis, pecam na fiabilidade dos factos apresentados. Cowspiracy ou Seaspiracy, por exemplo, produzidos por Kip Andersen, denunciam as ameaças enormes à biodiversidade que a indústria alimentar fornece, mas a hipérbole de algumas estatísticas [7] que, apesar de não serem falsas, são uma manipulação de dados baseados em estudos escolhidos a dedo, longe do consenso da comunidade científica [8][9], denuncia um lado tendencioso e sensacionalista de promoção de uma hipótese única. Há um foco exclusivo em atitudes individuais, deixando de fora um ativismo que seja apologista da criação de uma legislação rigorosa que impeça a impunidade de atrocidades ambientais, em nome do aumento do lucro, por exemplo. Esta visão redutora indicia, na minha opinião, um esforço por um capitalismo “ético”, isto é, uma depreciação de produtos de origem animal para enaltecer indústrias que beneficiem de uma alimentação orgânica, neste caso. 

Outra indústria fortemente poluente é a dos combustíveis fósseis, que possui tanto poder que uma simples oscilação de preços afeta toda a economia mundial. Numa tentativa de limitar as emissões de gases com efeito de estufa para a atmosfera, apareceram os automóveis híbridos plug-in, cuja utilização foi incentivada através de benefícios fiscais. No entanto, a quantidade de emissões que afirmam ter, de acordo com os testes realizados na União Europeia para fiscalização das emissões, está extremamente longe da realidade numa utilização quotidiana. Esta avaliação camufla as quantidades reais de dióxido de carbono emitidas, pois só reflete os primeiros cem quilómetros efetuados pelo carro. Por exemplo, num Porsche Cayenne híbrido plug-in, as baterias têm autonomia para apenas quarenta quilómetros, sendo que, após serem consumidas, a combustão é responsável por emissões muito superiores às publicitadas [10]. Assim, o aumento do lucro das empresas, justificado pelo incentivo à proteção ambiental, acaba por ser mal empregue [11].

Deste modo, há que diferenciar uma mera estratégia de marketing de um esforço concreto na proteção ambiental. É imperativo colocar um travão ao consumismo desenfreado a que somos incitados, no entanto, a solução da sustentabilidade não recai apenas sobre a mudança individual. Há que relembrar, também, que expressões como “amigo do ambiente” ou “ecológico”, utilizadas em produtos, devem ser acompanhadas de ações concretas por parte das empresas nesse sentido, para que a popularidade deste tema traga uma mudança na priorização da proteção ambiental ao invés de somente lucro. 

Referências

[1] What is Greenwashing: Differentiating Between Sustainable and Sellable?

[2] Material de pesca representa mais de 85% do lixo de plástico no mar

[3] Starbucks is banning straws – but is it really a big win for the environment?

[4] Sobre os produtos Conscious

[5] A pegada da nossa roupa | Moda sustentável | PÚBLICO

[6] Fashion companies use greenwashing to lie to consumers

[7] Documentary or Propaganda?

[8] How accurate is the movie Cowspiracy?

[9] Seaspiracy: Netflix documentary accused of misrepresentation by participants

[10] Fantasia dos híbridos plug-in condenada a acabar?

[11] Estudo europeu denuncia que carros híbridos são “desastre ambiental”. Associação Zero diz que Estado deve eliminar apoios à compra

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