Do you wanna join (start) a cult with me?

Autoria: Ângela Rodrigues (LEFT)

A ideia de alguém se juntar voluntariamente a um culto parece-me estranha.

Nota inicial: Antes de mais, gostaria de esclarecer que este é um artigo de opinião baseado na pesquisa que fiz, sendo que nunca fiz parte de alguma organização deste tipo ou aliciada para tal.

Jim Jones, Marshall Applewhite e Shoko Asahara. Estes nomes talvez possam soar familiares por serem dos fundadores dos famosos cultos destrutivos The People Temple, Heaven’s Gate e Aum Shinrikyo, respetivamente. Pensando nas 914 mortes em Jonestown, nos 49 suicídios/homicídios de membros do Heaven’s Gate ou nos ataques com gás ao metro de Tóquio[1,2], questiono-me como é que alguém se junta conscientemente a este tipo de organizações. Mas antes de começar a falar sobre o que me intriga, talvez seja melhor compreender o que faz de um culto, um culto.

Culto” refere-se, frequentemente, a um grupo de pessoas com crenças atípicas que vive isolado da sociedade, tendendo a centrar-se em torno de um líder carismaticamente peculiar. Cada culto tem as suas características particulares, contudo, quase todos têm em comum o controlo autoritário, crenças extremistas, isolamento social e veneração de um líder Segundo os especialistas em cultos (sim, há especialistas em cultos), estes podem ser divididos em 4 principais categorias: do Juízo Final, religiosos, políticos e sexuais[3].

O termo “lavagem cerebral” começou a ser associado a cultos no início dos anos setenta[4], mas sempre foi visto com algum ceticismo; apesar de existirem métodos de persuasão coercitiva, um método infalível para destruição do livre-arbítrio é rejeitado. Se considerarmos que os membros do culto têm algum grau de liberdade sobre as suas decisões, como é que é possível distinguir as crenças dos cultos? Não entrando numa perspetiva tão filosófica, pode considerar-se que o que diferencia os cultos de outras organizações é que estes começam a exigir cada vez mais de seus membros – tempo, dinheiro e comprometimento pessoal. Quando o líder tem carisma e caráter para explicar as razões pelas quais deve ser seguido, um culto é criado.

Sabendo quais as características deste tipo de organizações, o que poderá levar alguém a querer fazer parte delas? 

Olhando de fora, parece-me muito fácil dizer que é algo que nunca me aconteceria, que se me fosse feito algum tipo de proposta nesse sentido, a minha única reação seria recusar; um pouco um daqueles pensamentos que temos relativamente a alguns temas “Nunca deixaria que isso me acontecesse”.

De acordo com terapeutas a que ex-membros de cultos recorreram, as pessoas só têm acesso a uma parte muito restrita da informação, nunca recebendo todas as informações sobre o grupo, o que faz com que a maioria dos cultos até pareça normal; não há nada de estranho no início e o facto de que uma parte significativa (cerca de ⅔) dos membros serem recrutados por alguém que conhecem, parece dar uma certa credibilidade às organizações [5]. É somente após algum tempo que os cultos começam a exercer o seu controlo sobre a vida das pessoas. Quando um líder tem carisma para capturar as mentes dos membros, é capaz de conduzi-los por um caminho muito diferente, o que às vezes leva a resultados horríveis e até mortais em circunstâncias extremas.

Qual pode ser a oferta “atrativa” de um culto? [5,6,7]

Apesar dos diferentes tipos de cultos terem propósitos diferentes, alguns tópicos comuns que atraem as pessoas para este tipo de organizações são:

  • Tornar-se melhores, seja profissional ou pessoalmente:

Os cultos são normalmente apregoados como organizações que promovem o auto-aperfeiçoamento, o que faz com que pessoas que tenham este tipo de interesses sejam mais suscetíveis a ingressar num culto.

  • Maior sentido de comunidade:

Os membros são geralmente pessoas que procuram algo em que acreditar e um sentimento de pertença, estando apenas a tentar conectar-se com alguém com quem acham que têm algo em comum e o culto oferece este sentido de comunidade. Este sentido de comunidade é atrativo para os que precisam de amizade ou de uma família e os cultos estão disponíveis para preencher estes vazios.

  • Estados de vulnerabilidade:

A personalidade e objetivos de vida não são as únicas coisas que tornam alguém vulnerável aos cultos, a fase da vida também tem influência. De acordo com ex-membros de cultos, se não estivessem a passar por um período difícil (como o diagnóstico de uma doença terminal ou a morte de um ente querido) na altura em que foram abordados, nunca se teriam juntado.

Se o grande motivo pelo qual as pessoas se juntam a estes grupos está associado à falta de informação sobre eles, porque é que não saem quando descobrem o verdadeiro fundo?

O facto de os cultos isolarem os seus membros do mundo exterior e exigirem comprometimento absoluto dos seus seguidores, torna a saída cada vez mais difícil, pelo que os membros acabam por se conformar com a sua nova realidade. Além disso, a sensação de solidão e niilismo que sentiam antes de se tornarem parte de algo maior, encoraja-os a baixar as suas defesas e aceitar os elementos estranhos da comunidade. À semelhança das relações abusivas, a anormalidade torna-se normal. Outra razão pela qual as pessoas frequentemente permanecem no grupo está associada à existência de uma dependência psicológica ou física dos membros em relação ao líder. As mentes dos indivíduos são “reprogramadas” (através da suspensão do juízo crítico e da promoção da total dependência do grupo) para pensarem como o líder deseja, o que garante que eles permaneçam até o fim.

Quem são os típicos membros de cultos?

Esta resposta pode parecer à partida óbvia – alguém estúpido, burro, que não saiba pensar por si próprio (resposta estereotipada, eu sei). Como já referi, existem diversas motivações inocentes que podem fazer com que alguém tenha interesse em juntar-se a um desses grupos. De acordo com estudos[8], os membros de cultos encaixam-se em dados demográficos relativamente semelhantes – historial espiritual fraco, maior sucesso financeiro/profissional, idade mais jovem, mais tempo livre e um nível de educação mais elevado. Consigo compreender que as quatro primeiras características sejam úteis aos próprios cultos e aos seus líderes, mas o elevado grau académico parece-me um contrassenso.

Fazendo por exemplo uma associação com teorias de conspiração, a maioria dos seguidores apresenta níveis de pensamento analítico e científico mais baixos[9] e são mais suscetíveis de acreditar em algo sem verificar as suas fontes[10], pelo que, para mim, seria de esperar que o público-alvo fosse mais ou menos o mesmo. Pelo contrário, as pessoas com maior nível de educação são mais propensas a ingressar em cultos justamente por terem uma maior capacidade de manter a mente aberta quando expostas a novas informações. Isto não significa que aceitem cegamente as ideias que lhes são apresentadas, apenas que tendem a assimilar e processá-las antes de as criticar ou rejeitar. De facto, se pensarmos no Aum Shinrikyo a maioria dos membros eram estudantes de universidades de elite[1].

Em relação à importância do sucesso dos membros, arrisco-me a dizer apenas três coisas: 1 – toda a gente sabe quem é o Tom Cruise, 2 – toda a gente sabe que ele é Cientologista, 3 – provavelmente muitos de nós já procuramos em que consistia esta “””religião””” (esta quantidade de aspas é propositada).

Relativamente ao historial espiritual fraco e idade mais jovem, pessoas com estas características estão muitas vezes em busca da sua identidade pessoal. Além disso, pessoas mais jovens têm mais tempo livre do que os mais velhos. 

Se as primeiras características poderiam levar a motivos de preocupações, podemos ficar descansados porque, enquanto alunos do Técnico, duvido que a quantidade de MAPs, projetos e afins que temos sempre para fazer nos deixasse (se quiséssemos) juntar-nos a um culto.

Tudo o que li e me permitiu escrever este artigo leva-me a concluir que quem adere a um culto está convencido que se está a juntar a uma boa causa, não tendo consciência de todas as implicações. No entanto, pensando no caso do Heaven’s Gate, em que os membros se suicidaram em grupos, tendo os grupos seguintes de manusear os cadáveres dos companheiros e repetir o ritual combinado, convencidos pelo líder que estavam a apenas a abandonar os seus corpos terrestres e a ascender a um nível de existência superior ao humano, pergunto-me: Quão abstraído da realidade é preciso estar para se continuar a executar o plano até ao fim?

Referências:

[1] https://www.cbsnews.com/pictures/cults-dangerous-deadly-history/60/ (Acedido pela última vez a 29/1/2023) 

[2] https://www.thedeep.life/blogs/blog/the-craziest-cults-in-history (Acedido pela última vez a 29/1/2023)

[3] https://www.masterclass.com/articles/what-is-a-cult (Acedido pela última vez a 28/1/2023)

[4] https://www.newyorker.com/magazine/2021/07/12/what-makes-a-cult-a-cult (Acedido pela última vez a 28/1/2023)

[5] https://www.insider.com/why-people-join-cults-according-to-therapist-who-treats-survivors-2020-9 (Acedido pela última vez a 30/1/2023)

[6] https://www.foxnews.com/us/cult-survivors-come-together-reveal-stories-resilience-people-can-thrive (Acedido pela última vez a 28/1/2023)

[7] https://www.bates.edu/multifaith/a-word-about-cults/ (Acedido pela última vez a 30/1/2023)

[8] https://www.csueastbay.edu/philosophy/reflections/2010/contents/kayl-teix.html (Acedido pela última vez a 30/1/2023)

[9] https://theconversation.com/young-people-may-be-more-likely-to-believe-in-conspiracy-theories-that-deny-covid-facts-heres-how-to-respond-188318 (Acedido pela última vez a 1/2/2023)

[10] https://commission.europa.eu/strategy-and-policy/coronavirus-response/fighting-disinformation/identifying-conspiracy-theories_en (Acedido pela última vez a 1/2/2023)

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