A Verdade Absoluta

O culto mais perigoso do Japão

Autoria: Constança Fernandes (LeBiol)

Como é sabido pela maioria, o Japão é um dos países mais limpos e asseados do mundo. O curioso é que não há caixotes do lixo espalhados pelo meio das ruas. Qual será a razão para não haver caixotes do lixo? Será apenas uma questão de higiene, para evitar maus cheiros pela cidade?

A verdade por detrás desta situação é muito mais obscura. Os caixotes do lixo foram banidos após um ataque terrorista doméstico em 1995, no qual membros do culto Aum Shinrikyo, liderados por Shoko Asahara, libertaram gás sarin (altamente tóxico) no metro de Tóquio.

A história do líder Shoko Asahara

CHIZUO MATSUMOTO NA GRADUAÇÃO DO ENSINO SECUNDÁRIO

Chizuo Matsumoto, criado por uma família pobre de grande dimensão, nasceu com uma condição denominada por glaucoma primário infantil, que causou a perda de visão total no olho esquerdo e parcialmente no direito. 

Matriculado na escola da prefeitura de Kumamoto para imuno visuais, Chizuo aproveitava-se de não ser totalmente cego para bater nas outras crianças e lhes roubar dinheiro. 

Chizou era muito inteligente e ambicionava ser médico mas, devido à sua deficiência visual, não foi aceite. Também tentou entrar na faculdade de direito, mas reprovou nos testes de admissão. Por fim, Chizuo optou por estudar acupuntura e medicina tradicional chinesa. 

Em 1982, Chizuo foi preso por vender remédios chineses falsificados sem licença e foi multado em 2 mil dólares e com uma breve sentença de prisão. No desespero, Chizou focou-se na arte de adivinhação e meditação, questionando-se se alguma vez iria atingir a felicidade absoluta.

PRIMEIRO LIVRO PUBLICADO POR SHOKO ASAHARA

Certo dia, Chizou alegou estar a meditar numa praia, ver o céu rasgar-se, Deus descer do céu e dizer-lhe: “Eu nomeio-te como o Deus da luz que lida os exércitos dos deuses”.

Mais tarde, Chizou publicou um livro afirmando-se filho de Cristo e que tinha poderes sobrenaturais tais como levitar, controlar o clima e telecinesia.

Assim, Chizou mudou o seu nome para Shoko Asahara e iniciou um grupo religioso chamado Aum Shinsen no Kai (“a associação imortal dos magos da montanha”), que mais tarde foi renomeado para Aum Shinrikyo (“A Verdade Suprema”). 

O culto

Crenças: O culto partilhava alguns princípios do budismo, hinduísmo e cristianismo. Acreditava-se que o fim do mundo era iminente e que apenas os membros do culto sobreviveriam. Iria haver uma guerra nuclear, uma WW3 entre o Japão e a América onde iria ser criada uma arma de laser muito potente que iria destruir o mundo inteiro, exceto os membros do culto, pois Asahara iria ter o poder de absorver a radiação. A solução era então muito simples: “junta-te a Asahara e obtém a salvação”.

Iniciação: Para se entrar no culto, os candidatos eram submetidos a testes de resistência física e mental que, em casos mais extremos, consistiam em banhos de água a ferver e/ou (tentar) sobreviver em caves no subsolo durante dias, para além de subsidiar o culto.

Mais tarde, descobriu-se que alguns indivíduos morreram durante o processo de iniciação e que o culto encobria esses casos, cremando os corpos secretamente.

Propaganda: Asahara continuava a escrever e a publicar livros, afirmando ser o “Cordeiro de Deus” – o símbolo cristão que representa “a perfeição moral”, com a capacidade de absorver o mau carma e os pecados dos seus seguidores. Asahara era considerado tão puro, que os membros mais devotos bebiam a água suja do seu banho e do seu sangue.

SHOKO ASAHARA NUMA VISITA A DALAI LAMA – SHOKO USOU ESTA FOTOGRAFIA NOS SEUS LIVROS PARA TORNAR O SEU TRABALHO MAIS LEGÍTIMO

Shoko focava-se em adquirir membros com um vasto leque de profissões e habilidades, desde cientistas, biólogos, químicos, engenheiros, advogados, membros das forças militares e até estudantes de universidades de elite. 

Curiosidade: O culto até criou o seu próprio estúdio de anime chamado MAT (Manga Anime Team) e lançaram um anime chamado Chouetsu Sekai que foi produzido com a intenção de recrutar fãs de anime para o culto. (disponivel no MyAnimeList)

Controvérsia: Estranhamente (ou não), à medida que o culto crescia, membros do culto começaram a desaparecer. Amigos e familiares, preocupados com a saúde dos seus entes queridos, começaram a protestar. 

PROTESTO CONTRA O CULTO AUM SHINRIKYO

Um desses protestantes, o advogado Tsutsumi Sakamoto, começou uma campanha chamada “As vítimas de Aum Shinrikyo”. O seu objetivo era destruir a imagem do culto e provar que os seus membros estavam a ser mantidos contra a sua vontade e, além disso, que aqueles que tentavam escapar eram aqueles que “desapareciam”. Para isso, o advogado filmou secretamente uma entrevista para uma estação de notícias de Tóquio expondo todos os defeitos do culto. Infelizmente, antes que a entrevista pudesse ser transmitida, Shoko Asahara descobriu e a estação foi pressionada a cancelar a transmissão. Tsutsumi foi perseguido até à sua casa por membros do culto e, juntamente com a sua mulher e o seu filho de 14 meses, foram brutalmente assassinados, golpeados com martelos, espancados e injetados com cloreto de potássio – um químico altamente tóxico. Os seus cadáveres foram colocados em contentores de metal e foram distribuídos por três prefeituras diferentes para a polícia não os encontrar tão rapidamente. 

Crimes:

Em 1990, Asahara, com aproximadamente 9.000 membros no Japão e 40.000 em todo o mundo (sendo a maior parte dos membros estrangeiros de nacionalidade russa), candidatou-se à presidência da Câmara dos Deputados. O culto recebeu apenas um pouco mais de 1.700 votos e perdeu a eleição. Asahara, envergonhado e revoltado com o governo japonês, iniciou um projeto: Asahara e seus seguidores mais leais construíram uma instalação onde começaram a desenvolver armas químicas, com especial foco no gás sarin – um gás inodoro, incolor e 500x mais tóxico que o cianeto. Este gás dificulta a respiração e causa náuseas, salivação excessiva, cãibras e perda do controlo das funções corporais, seguido de espasmos convulsivos. Uma forma de morrer em menos de 10min de uma forma extremamente dolorosa.

De forma a testar e aperfeiçoar o seu novo brinquedo, Asahara ordenou que se libertasse gás sarin na periferia de Matsumoto, onde anteriormente se tinha iniciado uma petição com mais de 140.000 assinaturas para acabar com o culto. O teste foi realizado numa noite quente e por isso, a maioria dos residentes deixou as janelas abertas. O resultado: 7 pessoas morreram, centenas ficaram feridas e inúmeros pequenos animais, como peixes e pássaros, morreram. A polícia investigou o caso e foi capaz de identificar uma única impressão digital de um dos membros do culto. Planeou-se que, a dia 22 de março, a polícia iria invadir as instalações do culto, porém, dois membros do culto faziam parte das forças armadas do Japão e avisaram Asahara antemão. 

Terrorismo Doméstico:

Asahara, furioso, organizou o que é até hoje considerado o maior ataque de terrorismo doméstico no Japão. Dia 20 de março de 1995, ordenou um ataque nas linhas do metro de Tóquio, no horário de maior tráfego, às 8h da manhã. 5 membros do culto entraram em carruagens de linhas diferentes, e, gentilmente, colocaram um embrulho de papel de jornal no chão do metro onde lá dentro estaria gás sarin enrolado num saco de plástico. Antes de saírem na paragem seguinte, os membros levantavam-se e com a ponta do guarda-chuva perfuraram o embrulho, deixando o gás escapar por toda a carruagem. Minutos mais tarde, os passageiros começaram-se a sentir tontos, a escorrer sangue pelo nariz, a vomitar e a ter convulsões. Felizmente, os passageiros alertaram as urgências e a polícia rapidamente e o metro fechou após uns minutos. Apesar disso, 13 passageiros acabaram por morrer e muitos outros ficaram feridos e com dificuldades respiratórias. 

PASSAGEIROS AFETADOS PELO ATAQUE DE GÁS SARIN NO METRO DE TOKYO SÃO TRANSPORTADAS PARA O HOSPITAL INTERNACIONAL ST.LUKE, 20 DE MARÇO DE 1995

O Julgamento

Shoko Asahara foi encontrado escondido num dos quartos das suas instalações. Quando foi interrogado pela polícia, negou todas as acusações. Durante a investigação ao culto, encontraram-se os corpos praticamente desfeitos da família de Tsutsumi Sakamoto entre outros planos para desenvolver futuras armas químicas e outros ataques. Durante os 8 anos de julgamento e 256 sessões de tribunal, Shoko Asahara foi incapaz de dar uma explicação para o sucedido ou pedir desculpas pelos membros que morreram e assim, Shoko Asahara, com 63 anos, foi condenado à morte, juntamente com os seus seguidores mais fiéis que participaram no ataque e no desenvolvimento de armas químicas. O governo também decidiu retirar todos os caixotes do lixo por ser um potencial esconderijo para outras armas químicas e/ou bombas.

Links

“Aum’s Shoko Asahara and the Cult at the End of the World” – WIRED (David E. Kaplan, Andrew Marshall) https://www.wired.com/1996/07/aum/

“Profiles of top Aum Shinrikyo members” – The Japan Times https://bit.ly/3gfobZM

“Aleph” – Britannica (J. Gordon Melton) https://www.britannica.com/topic/Aleph

“Chouetsu Sekai” – MyAnimeList https://myanimelist.net/anime/38196/Chouetsu_Sekai

“A Case Study on the Aum Shinrikyo” – Federal Association of Scientists

https://fas.org/irp/congress/1995_rpt/aum/index.html

“The Sarin Gas Attack in Japan and the Related Forensic Investigation” – OPCW

https://bit.ly/3iGki1s

Imagens

https://mainichi.jp/english/graphs/20180706/hpe/00m/0na/001000g/20180706hpe00m0na009000q

https://order.mandarake.co.jp/order/detailPage/item?item Code=1135243082 &lang=en

https://www.npr.org/2018/07/06/626434965/japan-executes-cult-leader-responsible-for-1995-sarin-gas-attack-on-tokyo-subway

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