A renda que a Academia de Amadores de Música não vai conseguir pagar: Evolução do regime de arrendamento

Autoria: Margarida Almeida (MEBiol)

A Academia de Amadores de Música terá de abandonar a sua morada histórica por não conseguir pagar a atualização da renda dos 540 € para os 3780 €.

No dia 7 de Fevereiro, o Diferencial visitou as instalações da Academia de Amadores de Música (AAM), que, à data, ainda conservava o seu endereço no 2º andar esquerdo do nº 18 da Rua Nova da Trindade, onde vive “há 80 anos”.

A AAM, fundada em 1884, é uma instituição cultural e escola de ensino especializado de música que atende cerca de 300 alunos com idades entre os 3 e os 74 anos e funciona sobretudo dependente da boa vontade dos docentes e funcionários.

O ensino musical está associado a um custo médio por aluno muito elevado. Tal deve-se por exemplo: ao preço da aquisição e manutenção dos instrumentos para aluguer aos alunos, a baixo custo; às turmas serem muito pequenas, sendo comum uma relação de 1 para 1, entre professor e aluno; e ao facto de que, não sendo ensino obrigatório, é sujeito “a todas as obrigações do ensino obrigatório”. O financiamento direto do estado limita-se a contratos de patrocínio para ensino especializado da música a alunos do 5º ao 9º ano. “Não há margem de lucro.” Houve até uma altura em que docentes estiveram 5 meses sem receber vencimentos, devido a atrasos por parte do Estado na distribuição do dinheiro dos contratos.

Esta escola, agora, procura por uma nova morada, porque até ao final do ano letivo de 23/24, terá de abandonar a atual por não ter possibilidades de enfrentar o aumento da renda mensal. Este aumento surge de uma reavaliação do imóvel pedida pelo proprietário em 2023 [1].

Em 2012, foi autorizada a atualização das rendas fixadas por contratos anteriores a 1990 mediante uma negociação entre o senhorio e o inquilino [2]. Para alguns casos específicos (como o da AAM), foi criado um período transitório de 5 anos durante os quais não poderia haver cessação do contrato. Em 2017, foi conferida uma protecção pelo estatuto de entidade de interesse histórico e cultural, que alargou período transitório até 2020, garantindo à AAM mais 3 anos sem aumentos. Conceição Brandão de Sousa,  Diretora Pedagógica da AAM e nossa guia durante a visita à academia, vê a mudança como muito negativa, não só pelo património histórico cultural do endereço onde “Lopes Graça fez questão de ser velado” ou pelos constrangimentos que uma mudança irá causar, mas principalmente, pelo esvaziamento do centro de Lisboa das instituições culturais cuja atividade contribuiu e contribui para a sua atratividade. “O centro fica para os turistas.”

Placas comemorativas na sala em homenagem a Tomás Borba nas instalações da AAM
Fotografia: João Dinis Álvares

A lei de 2012 que permitiu uma maior liberalização das rendas e incentivou a reabilitação de imóveis devolutos nos centros de Lisboa e Porto é ainda um assunto muito controverso, especialmente dada a relevância atual do tema da habitação.

Linha do tempo das alterações que afetaram o contrato de arrendamento da AAM

De acordo com o Diário de Notícias [3],  a primeira liberalização ocorreu em 1990, quando pela primeira vez desde 1910 foi permitida a celebração de contratos de arrendamento habitacionais com prazo mínimo de 5 anos, o que dividiu o mercado de arrendamento em dois regimes, o dos contratos vitalícios, e o dos novos contratos a prazo. Em 1995 a lei o novo regime estender-se-ia aos contratos comerciais.

O Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) de 2006 atualizou o valor das rendas de contratos anteriores a 1990, estabelecendo regras para essa atualização e os requisitos para a  transmissão de contratos. 

A lei de 2012 alterou o NRAU, voltou a atualizar as rendas anteriores a 1990 e criou um protocolo para a negociação destes contratos, em que a iniciativa partia do senhorio que, numa carta enviada ao inquilino, indicava o valor da renda e a duração de contrato que desejava,  acabando com o prazo mínimo de 5 anos

“Recebendo a carta, o inquilino tinha até 30 dias para responder, podendo dar uma resposta positiva e aceitar as condições do senhorio, fazer uma contra-proposta com o valor, tipo e duração do contrato que pretende, ou denunciar o contrato” [4].

A lei de 2012 previa também a possibilidade de ser aplicado em alguns casos, “um período de transição de cinco anos, para que antes da atualização das rendas os senhorios pudessem salvaguardar as condições de habitabilidade dos imóveis e os inquilinos se prepararem” [6].

Em 2017, o período transitório para os proprietários com contratos anteriores a 1990 foi estendido por mais 3 anos (até 2020), e em 2020 foi garantida uma nova extensão de 2 anos (até 2022).

Referências

[1] “Academia dos Amadores de Música tem de abandonar edifício onde ensina há mais de 60 anos”, TimeOut [Acedido a 29/02/2024]

[2] Rendas antigas: indemnização resultará da média das propostas do senhorio e do inquilino, Público [Acedido a 29/02/2024]

[3] Tudo o que nunca ninguém lhe disse sobre as leis do arrendamento, Diário de Notícias  [Acedido a 29/02/2024]

[4] O essencial sobre a lei das rendas (de 2012) , Observador [Acedido a 29/02/2024]

[5] Alterações à lei do arrendamento urbano entram em vigor na quinta-feira (2017), Diário de Noticias  [Acedido a 29/02/2024]

[6] Rendas antigas congeladas por mais dois anos (2020), Expresso [Acedido a 29/02/2024]

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