Cuidar da Saúde Mental – Entrevista a Ana Martins, Diretora Técnica das Unidades de Vida da GIRA

A GIRA é uma IPSS que apoia pessoas com doença mental, através da sua reabilitação e inclusão social. Conhecemos esta Instituição aquando duma doação de alimentos, no âmbito das sessões de cinema solidárias organizadas pelo Diferencial ao longo do ano letivo 2021/22. Decidimos entrevistar Ana Martins, diretora técnica das Unidades de Vida da GIRA, procurando dar a conhecer o tão nobre trabalho que aqui é feito.

Autoria: Patrícia Marques (LEFT)

Patrícia Marques: Gostaria que começasse por se apresentar, referindo as suas funções.

Ana Martins: O meu nome é Ana Martins, sou psicopedagoga, diretora técnica das unidades residenciais, das nossas residências, e como nas IPSS´s acumulamos várias funções, sou também assessora da Direção e sou responsável pelo departamento de comunicação e de marketing social.

PM: Agora, tendo já percebido parte das suas responsabilidades, gostaria que nos falasse um pouco sobre como é que funciona o seu dia-a-dia, e aqui a sua atividade na GIRA.

AM: Sou psicopedagoga e diretora técnica das unidades de vida, sendo responsável pela gestão de toda a equipa e de todos os espaços das residências. Enquanto psicopedagoga, a minha função específica é fazer um acompanhamento psicopedagógico aos utentes; a nível individual ou a nível coletivo. Fazemos regularmente sessões de psicoeducação em que explicamos aos utentes o que é a doença mental, por exemplo, o que é a esquizofrenia, ou a doença bipolar, ou a perturbação obsessivo-compulsiva; quais são os sintomas, as causas,  as terapêuticas disponíveis tais como a medicação (a importância da adesão à medicação, os efeitos secundários…), a psicoterapia, assim como outras estratégias que podemos adotar no âmbito da  promoção da nossa saúde mental.  Paralelamente, enquanto psicopedagoga apoio os utentes cujos objetivos do  programa individual de reabilitação seja a integração em formações profissionais e/ou em  mercado de trabalho. Fazendo a articulação com entidades que trabalham a nível de emprego apoiado, medidas especificas do IEFP. Acompanhamos os utentes que fizeram formação, posteriormente fizeram estágios e foram integradas em emprego apoiado, ou outros projetos que potenciem a empregabilidade, com base em metodologias de formação e desenvolvimento adaptadas a cada um. 

 Sendo sempre feito o acompanhamento por parte da GIRA em articulação com as entidades que trabalham especificamente esta área de formação e emprego.

Outra função da equipa técnica, independentemente da nossa formação académica, é a de técnico de referência duma casa/resposta; ou seja, eu sou técnica de referência desta casa, acompanho 7 utentes, dando apoio aos mesmos nas diversas áreas das suas vidas. A nossa equipa é  multidisciplinar, sendo que cada área dá uma resposta específica às necessidades dos utentes. Por exemplo, a Patrícia estava aqui comigo, precisava de tratar de um rendimento, eu sou psicopedagoga, não sou assistente social, articulava com a colega que é assistente social, marcava um atendimento, e a mesma ia fazer essa articulação. Tenho um colega que é da área do desporto e que trabalha mais estas questões da alimentação, do desporto, questões dos hábitos  de vida saudável. Por isso, todos nós temos esta função de técnico de referência e elaboramos com os utentes o que nós chamamos um programa individual de reabilitação, em que avaliamos com o mesmo, as necessidades reabilitativas, assim como,  as suas competências.

PM: Certo, então está a par das necessidades dos doentes e também está a par das pessoas que trabalham.

AM: É isso mesmo. Sendo técnica de referência destes 7 utentes apoio os mesmos no que for necessário, assim como, solicito apoio dos outros elementos da equipa técnica. Realizamos  uma reunião semanal; na qual discutimos os casos de todos os residentes e cada um de nós de acordo com a sua área de formação apoia a nível social, psicológico, psicopedagógico…

PM: O Grupo de Intervenção e Reabilitação Ativa é uma IPSS, promove a reabilitação e inclusão de pessoas com doença mental. Já nos falou um bocadinho disto, mas assim para resumir, explicitar os projetos, apoios, sejam estatais (ou) privados, e estruturas que possuem para desenvolver esta missão de reabilitar…

AM: A GIRA tem 6 residências. Temos esta, que é uma unidade de vida protegida (UPRO) Joy, tem capacidade para 7 utentes, e mais duas UPRO´s no Areeiro, GIRA e Panda com capacidade par 6 e 4 utentes. Temos ainda a Unidade de Vida Autónoma (UVAU) Âncora na Rua Luciano Cordeiro e duas Residências de Suporte de Autonomia, (RSA) de Benfica e Cacilhas. A diferente denominação das residências UPRO, UVAU e RSA, variam de acordo com o grau de autonomia e competências dos utentes, necessitando de maior ou menor supervisão. Todos os residentes independentemente da residência onde estão inseridos têm um programa definido, saindo de manhã de casa e regressando no final da tarde, podendo ser um programa ocupacional, voluntario, formação, emprego….

Temos também dois Fóruns Sócio-Ocupacionais (FSO´s), nos quais alguns residentes estão integrados assim como outros utentes que residem nas suas casas, nos quais são desenvolvidas diversas atividades reabilitativas, tais como teatro, desporto, psicomotricidade, ateliers de pintura, desporto, treino de AVD´s – atividades de vida diária, entre outras.

Somos financiados pelo Instituto de segurança Social (ISS), nas UPRO´s, UVAU e FSO´s.

Temos apoio de algumas linhas de financiamento, donativos particulares e de empresas.

PM: Neste caso, pessoas que têm alta, tinha curiosidade em saber como é que elas são identificadas ou como é que é o processo de dizerem “Eu gostaria de ir para esta residência”?

AM:  O processo de referenciação para as nossas residências é diversificado, pode ser pela própria pessoa com doença mental, pelos técnicos de serviço social e/ou outros profissionais de hospitais, juntas de Freguesia, SCML, ISS, familiares….

É feita uma primeira entrevista com a Assistente Social e comigo enquanto Diretora técnica das Unidades de Vida, na qual é explicada todo o modo de funcionamento da instituição e é feita uma primeira avaliação para que a equipa técnica avalie se a pessoa se enquadra nos critérios de admissão e se a mesma também pretende integrar a GIRA. Posteriormente é feita uma segunda entrevista com a psicóloga, na qual é realizada a avaliação psicológica.

PM: Creio que ficou claro. Outro tema que eu gostaria que abordasse é saber como funciona a cooperação com o instituto de segurança social? 

AM: As UPRO´S, UVAU e FSO´s, estão ao abrigo do despacho conjunto 407/98, tendo um acordo de cooperação com o ISS, que financia estas resposta, de acordo com o número de utentes. Os utentes comparticipam de acordo com o seu rendimento.

As RSA´s são uma resposta particular da instituição, tendo um valor fixo de comparticipação, podendo os utentes usufruir do apoio económico da SCML e/ou ISS.

PM: Mas o objetivo nunca é inviabilizar que as pessoas…

AM: Sendo a GIRA uma IPSS, o principio da solidariedade está sempre presente, por esta razão qualquer utente que preencha os critérios de admissão e haja vaga, é integrado em programa residencial e/ou ocupacional, independentemente dos seus rendimentos.

PM: Tal como referiu, até confirmar, que as unidades de vida foram criadas no âmbito de um despacho entre o ministério da saúde e o ministério do trabalho e solidariedade.

AM: É o despacho conjunto 407/98, que regulamenta estas respostas sociais.

PM: Acho que já falámos um pouco disto, mas eu reparei que se referia sempre às unidades de vida como residências.

AM: Esta denominação é de acordo com o despacho que já abordámos que define as residências com  UPRO  – Unidade de Vida Protegida Joy e UVAU – Unidade de Vida Autónoma.

PM: Eu achei giro porque era um termo que parecia acolhedor. Já disse que ia explicar isto, então vamo-nos focar agora neste ponto que é: qual é que é a diferença entre fóruns socio-ocupacionais e este tipo de residências, e qual é que é o trabalho desenvolvido aí?

AM: (…) Há bocadinho vocês perguntaram: “Então, mas não há aqui utentes nesta instituição?”. Sim, e porquê? Porque os utentes de manhã levantam-se, fazem a sua higiene, tomam o pequeno almoço e vão para a comunidade. Nesta casa  todos os utentes frequentam fóruns socio-ocupacionais; sendo que 6 estão no fórum socio-ocupacional Retiro de Alfama e um está no fórum socio-ocupacional Gaivota, em Almada. As unidades de vida,  são estruturas residenciais, cujo objetivo é fazer treino de competências, nomeadamente  AVDs – atividades de vida (confeção da alimentação, limpeza da casa, higiene da roupa…), cuidados com a higiene e imagem pessoal, gestão de medicação e dinheiro, utilização dos recursos da comunidade… Os FSO´s, assim muito rapidamente, é o equiparado a um centro de dia para a  3ª idade ou a um CAO para pessoas com  deficiência, mas na nossa realidade apoia pessoas com doença mental, tendo um programa específico para apoiar as mesmas. Têm uma equipa também multidisciplinar a qual  desenvolve várias atividades desde pintura a teatro, psicomotricidade, educação física, estimulação cognitiva, participação no Clube de leitura na biblioteca Camões, têm um projeto com o clube náutico Boa  Esperança,  temos uma parceria também com a faculdade de motricidade humana, na qual são desenvolvidas atividades de psicomotricidade, e dança. Basicamente, há várias atividades em que as pessoas se podem inscrever de acordo com as suas potencialidades, necessidades e preferências.

PM: Então diria que o objetivo é serem atividades terapêuticas, mantê-los ocupados.

AM: Sim, o objetivo dos FSO´s é desenvolverem atividade terapêuticas com os utentes, potencializando as suas competências e colmatando as suas necessidades, com o objetivo da inserção na comunidade.

PM: Até para ajudar neste processo, e quanto a um assunto muito particular que agora suscitou uma dúvida, podia falar de pessoas que deixam de tomar medicação e também deste apoio de ajudar na leitura do guia de tratamento, só uma questão muito particular que é: como é que podem auxiliar as pessoas a não deixar de tomar a medicação?

AM: Muitas vezes as pessoas deixam de tomar a medicação por falta de esclarecimento acerca da mesma. Uma das funções da equipa técnica é ensinar o utente a interpretar o guia de tratamento e preencher uma caixa semanal de medicação, para que consiga fazer uma toma correta e regular da mesma. Outro aspeto muito importante é  explicar à pessoa a importância da adesão à medicação, a indicação de cada medicamento, assim como, os possíveis efeitos secundários, que pela minha experiência nesta área, desde 2001, têm vindo a diminuir ao longo destes anos.

Na GIRA quando o utente necessita apoiamo-lo na toma da medicação, para que consigamos assegurar que o mesmo a faz de forma correta, evitando descompensações psiquiátricas.

PM: É mesmo consciencialização, não obrigam…

AM: Não, nós somos um sistema aberto,  ninguém é obrigado a frequentar uma resposta da GIRA, assim como, não  podemos obrigar ninguém a tomar a medicação. Para estar inserido num programa residencial e/ou ocupacional o utente tem que estar estabilizado e fazer uma adesão à medicação, previamente acordada com o seu médico assistente. Quando temos  um utente que faz resistência à toma da medicação, nós consciencializamo-lo para tal.

PM: Ainda bem que nota ao longo dos anos que os efeitos secundários têm diminuído.

AM: Sim, muito. Por exemplo os antipsicóticos de primeira geração, assim como outros medicamentos, eram muito diferentes, têm havido uma grande evolução e uma eficácia muito maior, promovendo uma melhor qualidade de vida às pessoas com doença mental .

PM: Agora para uma questão sobre o vosso trabalho, isto é um trabalho que tem uma componente humana muito grande e até já nos falou que tem que ter um contacto super direto, obviamente, acompanhamento e integração, como é que se pode beneficiar então de uma equipa multidisciplinar e quão grande é o desafio de gerir todas estas áreas técnicas para ajudar a intervir?

AM:  Conforme já falámos as nossas equipas são multidisciplinares, constituídas  por psicopedagogos, psicólogos, assistentes sociais, psicomotricistas, animadores socioculturais, administrativos, trabalhadores auxiliares e ajudantes de lar. Trabalhamos todos em articulação e complementaridade com o objetivo de proporcionar um serviço de qualidade aos nossos utentes.

As equipas de cada resposta têm uma reunião semanal de discussão de casos e/ou outros assuntos necessários. Toda a equipa técnica tem reuniões de supervisão com uma supervisora, psiquiatra, na qual são abordados casos clínicos e dada formação à equipa. Temos  mensalmente uma reunião de comunicação interna na qual toda a equipa fica a par da dinâmica da instituição. E cada categoria profissional reúne com ou sem a Direção Técnica com o objetivo de alinhar as metodologias de trabalho.

PM: É muito bom haver essa comunicação entre as diferentes áreas da GIRA.

AM: Sem dúvida alguma, para que haja um trabalho em conjunto com o mesmo objetivo, estando todos alinhados com a missão, visão e valores da instituição.

PM: Assim abre-se uma janela de possibilidades para o  presencial . Um pormenor que agora, outro tema mais à parte que podíamos falar é que é sobre doações, como ajudar e nós podemos contribuir com 0.5% do nosso IRS para ajudar a GIRA, nós talvez não, que ainda não fazemos o nosso IRS, mas (de) que outros modos podemos ajudar a instituição e se quiser também falar de como é que nós podemos ser agentes que possam ajudar a quebrar o estigma da saúde mental, informarmo-nos, aprender, ajudar…

AM: Em relação aos donativos qualquer pessoa ou empresa pode apoiar a GIRA, através de donativos monetários, produtos e/ou serviços. Somos também uma entidade beneficiária da  consignação de 0,5% do  IRS. Costumamos candidatar-nos à participação em movimentos, como o Movimento 1€ e Giving Tuesday, também recebemos voluntários que nos apoiam em todas as atividades que desenvolvemos. Referente a todas estas formas de apoiar a GIRA poderão encontrar mais informação nas nossas redes sociais.  Nestas poderão ainda encontrar algumas atividades que desenvolvemos no âmbito da luta contra o estigma e na promoção da literacia em saúde mental, nomeadamente a campanha “A Doença Mental não é Limite” e o podcast “Falemos do que interessa”.

PM: Por acaso, recentemente dia 1 (de março) foi o dia do preconceito zero, então até havia algumas destas questões de que está a falar sobre o preconceito para pessoas com doença mental, que se quiser falar um bocadinho mais…

 AM: Temos a campanha a “A doença mental não é limite”, foi lançada no  dia Internacional da Saúde Mental. Esta tem como objetivo ser uma campanha de luta contra o estigma no âmbito da saúde mental. A iniciativa envolve o lançamento de 12 episódios, a serem divulgados nas redes sociais, sobre temas ligados a esta área e que possam sensibilizar a sociedade para a importância da promoção da saúde mental, desmistificar, quebrar barreiras e continuar a dar voz e relevância às pessoas com experiência em doença mental.

O podcast, lançado no final de janeiro de 2021  com o objetivo de incentivar o empoderamento e a autorrepresentação das pessoas com doença mental, dando-lhes voz, através da partilha da sua experiência pessoal.

Além da partilha de testemunhos pessoais o podcast conta com a participação de especialistas convidados da área da saúde mental, dando a informação sobre as doenças mentais, sintomas, onde recorrer e outras informações úteis.  

A participação em estudos e formações relacionados e com estas áreas, por exemplo neste momento estamos a participar num estudo com o Lisbon Mental Health Institute, da faculdade de ciências médicas, assim como numa formação  sobre os direitos humanos,  especificamente no âmbito da saúde mental, para que as pessoas conheçam os seus direitos e  deveres. Estas práticas da advocacy, são importantes formas de luta pelos direitos.

PM: Acho que é de louvar essa parte também de sensibilização a informar a comunidade.

AM: Eu acho que é fundamental, aumentar a literacia em saúde mental e promover atividades de luta contra o estigma para que consigamos integrar na comunidade pessoas com problemáticas de doença mental.

PM: Exatamente, fantástico. Acho que até seria giro nós partilharmos os vossos meios de informação à comunidade. Estamos prestes a terminar, talvez queira deixar informação para nós, ou coisas que gostaria que as pessoas soubessem.

AM: Basicamente, (…) ao consultarem as nossas redes sociais, poderão conhecer o nosso trabalho, disponibilizamos artigos relacionados com o estado da saúde mental em Portugal, respostas que há neste âmbito, promovemos o  acesso a recursos disponíveis. Por isso acho que é muito importante todas as pessoas estarem informadas, estarem sensibilizadas para as causas e cada vez haver mais informação  de casos de sucesso a nível de reabilitação para que sirvam de exemplo para outras pessoas que estejam na mesma situação e a comunicação social não se focar apenas em situações pouco dignificantes ligadas à doença mental.

PM: Esse tipo de informação não contribui nada…

PM: O facto de na prática até os canais de transmissão, jornais, optarem por coisas polémicas não é de todo a melhor opção. 

PM: Eu gostei imenso de ouvir (…) agradecer imenso

AM: Obrigada. Nós ficamos muito contentes, como eu tinha dito há bocadinho, de saber que jovens que não estão a estudar ou diretamente ligados às  áreas sociais, estão interessadas e empenhados em apoiar estas causas.

PM: Sim. Tal como pelo menos eu fiquei muito mais lúcida e ciente do trabalho que é aqui feito, espero que quem vá ler o artigo também, certamente vai ficar muito mais ciente do trabalho que se faz.

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Agradecimentos especiais a Haohua Dong e António Luciano pela visita conjunta, a João Cardoso pela transcrição e, claro, a Ana Martins pela disponibilidade e carinho com que fomos recebidos.

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