Autoria: Francisco Raposo (MEFT), João Dinis Álvares (MEFT)
Tito Mendonça, professor catedrático do Departamento de Física, fundou o Binómio, o boletim informativo da Associação de Estudantes (AEIST), no ano de 1964. Este boletim foi importante na luta contra o Estado Novo e, no âmbito dos 50 anos do 25 de abril, o Diferencial vem mostrar um pouco da sua história.
Tito nasceu no Alentejo e viveu em imensos lugares, fruto de o seu pai trabalhar para o ministério das Finanças: “era para evitar contágio de favores locais”. Viveu por todo o Alentejo, Ribatejo, Algarve, entre outros sítios. Depois, mais perto dos seus 16 anos, de modo a facilitar a sua entrada no Técnico, veio com a família para Lisboa.
Nessa altura já tinha “a mania da física”, não tendo todavia escolhido o curso de Física e Química por “detestar estudar reações químicas”. Com efeito, optou pela Engenharia Eletrotécnica, curso que se estendia por seis anos e abrangia, na altura, tanto a física como “topografia, desenho de máquinas, tudo…”.
A sua entrada para a AEIST, motivada pelo desejo de intervenção, acontece no segundo ano da faculdade, altura em que se envolve na Secção Cultural. A ideia de fundar o boletim, cujo nome viria a ser Binómio, surge, em conjunto com mais alguns colegas, em 1964. Estes eram responsáveis pela escrita dos artigos e pela sua colagem e impressão. O seu nome surge em, pelo menos, seis números do boletim, enquanto primeiro diretor.
“É uma das coisas de que eu tenho orgulho, é ter sido o primeiro diretor do Binómio. Ao menos, fiz qualquer coisa.”
O seu espírito reivindicativo revelava-se também nas Assembleias Gerais de Alunos (AGA) e Reuniões Inter-Associações (RIA) em que participava, ainda que marginalmente. Intervinha, embora os seus discursos não suscitassem a ação. Acabou por concluir que não tinha jeito para a política.
A certa altura, afastou-se do ativismo estudantil, dado que a sua constante iniciativa começara a ter efeitos negativos nas suas notas, e já havia recebido um ultimato do seu pai nesse sentido: “Assim, não continuo a pagar os estudos.”
Fora do Técnico, chegou a ser membro de vários movimentos políticos clandestinos. Um dos episódios mais famosos que relembra foi o que apelidou de “Ataque à Fonte Luminosa”. “Nós comprámos duas ou três caixas de detergente. Depois, já à noite, fomos lá para cima, para a Alameda. Estava a funcionar a Fonte Luminosa e despejamos as coisas. Claro, aquilo começou a criar uma bolha gigantesca. Depois, fomos para uma cabine telefónica e telefonamos à France-Presse, com um lenço a tapar o bocal, para impedir o reconhecimento da voz, e dissemos: Acabamos de lavar um monumento fascista, outros se seguirão.”
“Lembro-me muito bem dessa frase.”
Houve também um momento em que participou numa manifestação perto da Alameda e, quando se pôs em fuga, refugiou-se num prédio perto do colégio Sagrado Coração de Maria. “Nunca mais esqueci essa história.” Perseguido por dois agentes da GNR, quando chegou ao topo das escadas que davam para o último piso do prédio, “virei-me subitamente e comecei a descer as escadas na direção deles. Os gajos ficaram muito admirados. […] E, quando passei por eles, é que se lembraram de reagir. Deram-me duas coronhadas nas costas, mas consegui [escapar]. Não fui preso.”
Porém, considera que as ações dos movimentos clandestinos eram um pouco “inconsequentes”. “Por exemplo, no PCP, o grande ênfase era vendermos Avantes e Militantes.”
Findo o seu percurso no Técnico, continuou a sua carreira académica em França. Isto implicou abandonar o seu emprego numa firma “que fornecia energia elétrica para as colónias […], onde se ganhava bastante bem”. Trocou a sua situação estável por uma bolsa que o fez passar fome em Paris, durante os seus primeiros dois anos emigrado. Mal esta bolsa terminou, conseguiu “um contrato como engenheiro estagiário que dava para fazer o doutoramento no CEA, o Comissariado de Energia Atómica”, que representou uma melhoria da sua condição financeira.
“Eu sentia vergonha por ser português na França, porque era um país retrógrado, com uma ditadura. Havia um anátema enorme em relação ao país e eu sentia vergonha.”
Enquanto esteve em França, foi chamado para servir o seu país: “fui convocado para soldado raso para um batalhão disciplinar de Penamacor. [Eles] não davam espingardas ao pessoal, porque era pessoal do contra. E, depois, chegavam às colónias e davam armas a sério. […] Era castigo. A maior parte do pessoal desertava.” Não respondeu ao chamamento e, por esse mesmo motivo, foi impossibilitado de retornar ao país. “Só [pude voltar] por causa do 25 de abril. Estou muito grato à revolução dos cravos por causa disso.”
Depois de Paris, teve a oportunidade de fazer o pós-doutoramento em Princeton, que recusou, pois “queria contribuir para o novo país em que Portugal se ia transformar. Aliás, Portugal está sempre a transformar-se nalguma coisa, às vezes para melhor, às vezes para pior.”
Quando voltou a Portugal, tornou-se professor assistente no Técnico, e, apenas dois anos depois, “fui beneficiado pelo milagre chamado Lourdes Pintasilgo. [Esta] Fez uma reforma da universidade onde [todos] os professores agregados e extraordinários [eram equiparados] a catedráticos“. Deste modo, ele próprio foi promovido: “quase que antes de aprender a andar já era catedrático. […] Comecei a fazer parte do grupo que foi chamado «catedráticos decretinos»”.
Nesses anos, também foi responsável por fundar o que mais tarde viria a ser o Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN) e por ter assinado o contrato de Associação com a European Atomic Energy Community, (EURATOM), conhecido por Associação EURATOM/IST.
Como mensagem final, Tito Mendonça fez ainda uma reflexão sobre o atual estado da política e do ressurgimento da extrema direita, tendo em conta o regime fascista em que nasceu e contra o qual lutou.
“A história está-se a repetir. […] É uma coisa que está a intoxicar a humanidade como um todo.”
“É como se houvesse uma precipitação pelo mal, pelo abismo, pelo que está errado.”