Autoria: João Carriço (LEQ), Laura Ildefonso (MMAC) e Pedro Ruas (MEC)
No dia 16 de outubro, os membros do plenário do Conselho Pedagógico (CP) reuniram-se para, entre outros encargos, fazer uma apreciação às propostas de reestruturação da Licenciatura e do Mestrado em Engenharia Civil. Daquela que foi uma divisão absoluta entre docentes e estudantes, por 11 votos a favor e 11 contra, respetivamente, resultou um parecer positivo, por voto de qualidade do presidente do CP, Miguel Teixeira.
Para além de efetuar uma análise ao panorama atual dos cursos e às propostas discutidas, o Diferencial aferiu a receção destas pelos membros estudantes do CP, que na mais recente reunião de plenário expressaram o seu desagrado pela forma como o processo de discussão e votação foi conduzido; em protesto, ausentaram-se do plenário, dando a reunião por suspensa.
As versões finais das propostas de alteração curriculares, elaboradas por uma comissão eventual constituída pelos coordenadores e docentes das várias áreas científicas dos cursos de Engenharia Civil, foram apresentadas aos membros do Conselho Pedagógico, órgão que tem, entre outras, a competência de “pronunciar-se sobre a criação, transformação e extinção de cursos e ciclos de estudos e sobre os correspondentes planos de estudos”. Múltiplos testemunhos de fontes próximas ao CP realçaram uma falta de transparência na apresentação da proposta, acusação que se baseia em grande parte no facto de que a proposta que recebeu uma bandeira verde dos delegados da LEC e do MEC correspondia a uma versão preliminar da que foi votada no CP, da qual diferia quase inteiramente. Ademais, apontam que, durante o processo, o envolvimento dos alunos e dos docentes de Civil foi insuficiente, não tendo sido dada a devida importância à opinião dos alunos em relação à proposta, que foi quase inteiramente desfavorável.
Desta primeira reunião do CP surge um parecer favorável, por voto de qualidade, provido de recomendações no sentido de um reforço na transparência, comunicação e envolvimento do corpo docente e estudantil na formulação de reestruturações curriculares, e de se zelar por um cuidado especial na formulação do plano de transição, de modo a minimizar os constrangimentos nos planos de estudo dos estudantes afetados. No dia 29 de outubro, o Conselho de Escola (CE), objeto final da cadeia de decisão de propostas deste carácter, ultimou a aprovação das alterações curriculares à LEC e MEC em reunião de plenário. Sucedeu-lhe a reunião do CP do dia 30 de outubro, na qual, em primeiro ponto, os membros estudantes, segundo fontes próximas ao órgão, abandonaram a sala após reforçar a sua posição de crítica em relação ao desenvolvimento das propostas, suspendendo a reunião por falta de quórum; em consequência, a ata da anterior reunião aguarda aprovação numa próxima instância.
As propostas de alteração aos cursos de Engenharia Civil não são caso único: em seguimento da revisão dos PERCIST, as estruturas curriculares de vários cursos têm vindo a ser analisadas e repensadas de modo a possibilitar, consoante as preferências pedagógicas do respetivo departamento e consenso dos restantes departamentos envolvidos, um retorno parcial ao regime semestral. No caso de Engenharia Civil, a proposta prevê, simultaneamente, alterações ao conteúdo curricular e um regresso ao formato semestral para as UC de 6 ECTS, restando as de 3 ECTS em modalidade periódica; tal retorno prende-se completamente à aprovação desta proposta única, sem, pelo que o Diferencial pôde apurar, previsão próxima de formulação de outras propostas, ou uma reformulação regimental independente de alterações em conteúdo curricular.
Licenciatura e Mestrado em Engenharia Civil em análise
O mestrado em Engenharia Civil é constituído por um leque de cinco especializações: Mecânica Estrutural (ou simplesmente Estruturas); Construção; Geotecnia; Hidráulica e Recursos Hídricos (HRH); e Urbanismo, Transportes e Sistemas (UTS). A atual formatação da licenciatura procura englobar estas cinco áreas, havendo, no entanto, mais ênfase na área de Estruturas (excluindo UCs fora do âmbito específico de Engenharia Civil, são 30 ECTS relacionados com Mecânica Estrutural, em comparação com 18 de Construção, HRH e UTS, e 9 de Geotecnia).
O ciclo do mestrado carece de um contexto semelhante: atualmente, existe um primeiro semestre de 6 cadeiras comuns a todas as áreas (2 semestrais e 4 periódicas). No segundo semestre, existem apenas duas UC semestrais “obrigatórias” para os alunos, também elas semestrais. Ainda assim, nestas oito cadeiras transversais, três são do perfil de Estruturas, totalizando 15 ECTS entre elas (restam 9 de Construção e 6 de UTS, HRH e Geotecnia), havendo também uma fatia maior direcionada para esta área.
Apesar deste incremento de unidades curriculares centradas em Mecânica Estrutural, são justamente as cadeiras desta área que têm as piores performances em termos de aprovação: olhando para a taxa de sucesso após o MEPP, e fazendo uma pequena vistoria pelos QUC de anos anteriores, não é difícil encontrar cadeiras com taxas de aprovação abaixo dos 50% em sucessivos anos letivos.
A cadeira introdutória à área de Estruturas – “Mecânica I” – lecionada no segundo semestre do primeiro ano, chegou a registar uma taxa de aprovação de 21% no ano letivo de 2021-2022[1], e apenas superou os 50% no ano 2024-2025[2] (entre estes anos, as taxas foram oscilando, não se tendo registado uma melhoria linear). Cadeiras sucessoras, como “Resistência de Materiais I”, “Resistência de Materiais II”, e “Análise de Estruturas”, registaram sucessivamente resultados de aprovação abaixo dos 50% ao longo dos últimos quatro anos letivos[3] [4] [5]. Há ainda o caso curioso de “Mecânica II”, que em 2023-2024, mesmo após ter sido realizado um exame extra de recurso, apenas atingiu os 33% de aprovação[6] (e só em 2024-2025 é que superou os 50% de aprovação[7]).
No mestrado, das três UC de Estruturas “obrigatórias” relacionadas com Mecânica Estrutural, o caso mais gritante está na cadeira de “Estruturas Metálicas I”, que teve a sua melhor taxa de aprovação fixada em 43%, no ano letivo de 2024-2025[8]. Esta breve análise é complementada com diversas avaliações negativas nos próprios QUCs, nomeadamente nas categorias “Carga de trabalho” e “Avaliação da UC”, assim como avaliações negativas de vários docentes da área.
Toda esta informação começou a ganhar a atenção do Conselho Pedagógico, que há cerca de 3 anos tem vindo a sinalizar algumas destas cadeiras, monitorando com uma maior proximidade o curso de Engenharia Civil, e em particular a área de Estruturas. Alunos ligados ao CP afirmam que, ao longo dos últimos anos, têm sido conduzidos esforços na tentativa de melhorar a performance em algumas unidades curriculares no tronco da licenciatura e do mestrado, garantindo que grande parte das intervenções foram aplicadas em UC mencionadas acima, e que iam desde o acréscimo de material de estudo por parte da docência até à garantia do acesso a Época Especial. Declaram, ainda, que as intervenções deram resultados positivos, aumentando as médias de algumas cadeiras, reduzindo as taxas de reprovação e reduzindo o tempo médio de conclusão de ambos os ciclos.
Propostas de Reestruturação
A reestruturação em si, segundo o que o Diferencial pôde apurar, vem de uma preocupação por parte da Coordenação de Engenharia Civil, alegando a necessidade de recentralizar o currículo da área numa vertente mais “prática”, dando seguimento ao crescente número de alunos que se fica pelo grau de Licenciatura. Como tal, a antecipação de algumas cadeiras mais centradas na vertente de projeto para o primeiro ciclo é vista como um “alargamento das competências dos alunos e uma melhoria na eficiência formativa” perante aqueles que queiram apenas o primeiro grau de ensino.
Em relação a MEC, de acordo com a proposta, há uma “redução do tronco comum em relação à atual estrutura do curso”, permitindo assim um maior ênfase nas respectivas áreas de especialização. Com esta alteração, também se “promove a multidisciplinaridade (…) mantendo-se a possibilidade de os alunos poderem realizar um Minor”. Ao compactar o período de tronco comum no primeiro semestre, isto permite “que os alunos provenientes de outras escolas tenham contacto com as diferentes áreas de especialização oferecidas no MEC, antes de optar por um determinado perfil”.
As propostas de alteração aos currículos da LEC e do MEC prendem-se, sobretudo, com a alteração das cargas curriculares de diferentes áreas científicas (AC). Começando pela licenciatura, a referida proposta prevê uma redução das ECTS da AC de Química-Física, Materiais e Nanociências, substituindo a UC “Química Geral” (6 ECTS) pela nova UC “Fundamentos de Química Geral”, de 3 ECTS, e também reduz a carga curricular da AC de Minas e Georrecursos, que se passará a denominar Ciências e Modelação da Terra, de 9 para 3 ECTS, suprimindo a UC “Topografia e Geomática”. As AC de Arquitetura e de Competências Transversais (constituídas pelas UC “Introdução à Arquitetura”, e “Engenharia Civil e Sustentabilidade Ambiental”, respetivamente), cada uma valendo 3 ECTS, serão também extintas.
Este “sacrifício” justifica-se no aumento de 3 ECTS na AC de “Mecânica Estrutural e Estruturas”, com a introdução das UC “Mecânica Aplicada”, e de “Estruturas de Betão” no lugar das UC “Mecânica I e II”, e no aumento de 12 ECTS em Construção, introduzindo as UC “Desenho e Modelação Digital”, “Geomática”, e “Tecnologia da Construção de Edifícios”. A AC de Sistemas Urbanos e Regionais sofre ainda um rebranding para Sistemas, Urbanismo, Transportes e Ambiente, substituindo a UC “Gestão e Avaliação de Projetos”, e “Transportes” pela UC “Vias de Comunicação”.
Já no mestrado, as alterações propostas vêm a acomodar os ajustes feitos à licenciatura. Por exemplo, ao longo das várias áreas de especialização, a carga curricular da AC de Construção é aliviada, acompanhando o seu aumento na licenciatura. Muitas outras UC características da áreas de especialização veem-se deslocadas entre períodos/semestres às mãos desta proposta, chegando até algumas a sofrer alterações no seu número de ECTS. Mais notoriamente, contudo, em todas as áreas de especialização ocorre a redução da carga das opções livres em 3 ECTS e a introdução de 6 ECTS em opções em áreas científicas do DECivil.
Receção das Propostas
As alterações propostas preocuparam, sobretudo, o corpo de estudantes do Conselho Pedagógico. Desde logo, alega que a sua principal preocupação prende-se com a exigência curricular que este novo formato possa vir a impôr aos estudantes. O terceiro ano da licenciatura, por exemplo, passou a contemplar no seu currículo as UC “Fundamentos de Planeamento Territorial”, “Vias de Comunicação”, “Tecnologia da Construção de Edifícios”, “Hidrologia e Recursos Hídricos”, e “Fundamentos de Mecânica dos Solos”, todas estas cadeiras que têm na sua avaliação múltiplos projetos e/ou laboratórios. Aliado ao Projeto Integrador de 1º ciclo (PIC1), os alunos do CP alegam que esta junção de unidades curriculares pode comprometer a falta de equilíbrio pedagógico, por serem altamente exigentes em termos de carga horária e de trabalho.
Há também algumas incongruências na própria estruturação do currículo em si, nomeadamente na sobreposição das cadeiras “Dimensionamento de Estruturas”, e “Estruturas Metálicas I”, já no currículo do mestrado. No plano atual, “Estruturas Metálicas I” é lecionada no primeiro semestre do primeiro ano de mestrado, e Dimensionamento no segundo semestre do mesmo ano. Ao serem lecionadas em simultâneo, os estudantes do CP apontam a preocupação de se comprometer a natural progressão de aquisição de conhecimentos, já que a primeira recorre a conteúdos lecionados na segunda, podendo assim afetar a evolução pedagógica da aprendizagem destas matérias, com a agravante de “Estruturas Metálicas I” não ter, como já foi referido, uma taxa de aprovação elevada. “Tecnologia da Construção de Edifícios” (TCE) pode vir a sofrer problemas semelhantes, segundo um membro do CP, pois exige conhecimentos de várias outras áreas da Engenharia Civil, não sendo, portanto, uma consequência “natural” do ramo de Construção. Com este novo formato, a cadeira será lecionada ao mesmo tempo que “Estruturas Geotécnicas”, UC intimamente ligada à vertente da construção, e, consequentemente, à cadeira de TCE.
Ainda em relação ao formato dos ciclos, membros do Conselho Pedagógico expressaram descontentamento em relação à eliminação das unidades curriculares “Transportes”, “Engenharia Civil e Sustentabilidade Ambiental”, “Gestão e Avaliação de Projetos”, e “Introdução à Arquitetura”, alegando uma redução na pluralidade da área e um afunilamento dos conteúdos vocacionados para a área de Mecânica Estrutural, o que pode agravar ainda mais os problemas de performance dos estudantes associados a esta área.
No processo de transição entre ciclos, surgem também algumas situações que preocupam o Conselho Pedagógico. Segundo o mesmo, há a possibilidade de os alunos transitarem para o segundo ciclo sem terem realizado “Estruturas de Betão I”, o que obrigará a fazerem esta unidade curricular a mais, em simultâneo com “Dimensionamento de Estruturas”, e “Estruturas Metálicas I”. Esta possibilidade, para além de agravar a carga de trabalho de um aluno que tenha todas as cadeiras “em dia”, não é novidade para o curso de Engenharia Civil. Em 2021-2022, aquando da transição para o MEPP, os alunos de licenciatura que integravam o segundo ano viram-se confrontados com a tarefa de fazer nove UCs no segundo semestre, de modo a conseguirem fazer todas as unidades curriculares atempadamente. Um novo processo de transição mal definido pode atrasar ainda mais o percurso de alguns alunos, segundo os estudantes membros do executivo.
Por último, de acordo com o CP, a organização científica foi comprometida em alguns aspetos. Há casos em que a transferência de ECTS entre áreas científicas não se traduzirá numa alteração de conteúdos, ou sequer de docentes. Este caso é especialmente relevante ao olhar para a área de especialização de Construção, que vê o seu currículo aumentar de 18 para 30 ECTS, na licenciatura, com a inclusão (entre outras) da cadeira de Geomática, que resulta na agregação das anteriores “Topografia e Geomática” e “Modelação e Análise de Informação Geográfica”. Esta alteração, alegadamente, será realizada sem qualquer alteração do corpo docente ou dos conteúdos lecionados. No segundo ciclo, está contemplada uma unidade curricular designada “Escavações e Estruturas de Suporte”, que, em 2024-2025, não teve alunos suficientes para abrir turnos. A substituição da UC “Transportes” por “Vias de Comunicação”, ainda que inseridas na mesma especialização, poderá traduzir-se numa perda formativa essencial para os estudantes que queiram envergar por esta área, pois são cadeiras distintas que abordam diferentes vertentes da área de Urbanismo, Transportes e Sistemas.
Referências:
[1] – QUC da UC Mecânica I 2021/2022 (acedido pela última vez a 09/11/2025)
[2] – QUC da UC Mecânica I 2024/2025 (acedido pela última vez a 09/11/2025)
[3] – QUC da UC Resistência de Materiais I 2023/2024 (acedido pela última vez a 09/11/2025)
[4] – QUC da UC Resistência de Materiais II 2022/2023 (acedido pela última vez a 09/11/2025)
[5] – QUC da UC Análise de Estruturas 2024/2025 (acedido pela última vez a 09/11/2025)
[6] – QUC da UC Mecânica II 2023/2024 (acedido pela última vez a 09/11/2025)
[7] – QUC da UC Mecânica II 2024/2025 (acedido pela última vez a 09/11/2025)
[8] – QUC da UC Estruturas Metálicas I 2024/2025 (acedido pela última vez a 09/11/2025)




